A passagem do poeta -

A passagem do poeta

Coluna • 7 de novembro de 2011 • Neide Carvalho

Onde hoje se encontra a Quadra Francisco Miranda, havia uma praça muito bonita, arborizada com enormes árvores (ficus), cujas sombras e o cantar dos passarinhos eram um convite ao encontro de amigos ou namorados.

Em frente à minha casa, uma dessas árvores me servia de abrigo todas as manhãs para eu trabalhar nos meus bordados. Que manhãs maravilhosas!

Não sei se por mim ou pela sombra, muitos dos meus amigos tinham de ali dar uma paradinha, sentar nas pedras, que faziam de bancos, para um puxa conversa. Era algo irresistível. Como também era infalível a minha presença naquela praça.
Um chegava, outro saía. Mas Artur Ulisses era especial por ser poeta. Eu nunca fiz versos, porém a poesia faz parte da minha vida. Por esta razão, ele sempre era bem vindo.

Era por ali a sua passagem diária de casa para o seu famoso bar onde funcionava o serviço de alto-falante: a saudosa amplificadora. Ele não era um dos meus melhores amigos, mas eu era uma das suas maiores fãs.

Geralmente, das oito para as nove horas, lá vinha Artur, cujo riso era o prenúncio de uma nova poesia que recitaria para mim. Eu me sentia vaidosa pelo privilégio de ouvi-las, talvez, antes de qualquer outra pessoa. Ele me dizia que a razão desse privilégio devia-se ao fato de eu ser muito receptiva, boa ouvinte, e a quem confiava o segredo das suas emoções sem o risco de se sentir enfadonho ou ridículo.

E quem o consideraria enfadonho ou, menos ainda, ridículo? Se era ele o nosso poeta maior?

Os seus sonetos eram a revelação de um amor para ele inatingível. Amor que me comovia apesar de nunca ter revelado a quem o dedicava. Somente sei que era um amor bonito, doído e profundo. Só os poetas são susceptíveis a um amor tão complexo.
Num desses momentos, ele fez uma poesia de improviso para mim. Lembro-me apenas que se referia à minha presença naquela praça e aos meus bordados. Pena que não tenha escrito para que eu guardasse com carinho. Mas, se o soneto se perdeu no tempo, o poeta ficou nas minhas melhores recordações.

Se Artur, lá do infinito, puder ver que aquela praça, que foi o pulmão e o ponto poético da cidade, já não existe, tenho certeza de que, como eu, sentirá saudade. E perdoará os que a demoliram por ter sido substituída pela quadra que se tornou o coração da nossa Exu. Nesta quadra, o jovem de hoje, à sua maneira, encontra, como nós encontramos no passado, motivos para bonitas recordações.

Artur já não recorda, já não faz versos, mas a sua lembrança é para mim uma poesia.


Neide Carvalho é escritora, nascida no Sítio Colônia, Exu-PE, em 1938. A crônica foi publicada no livro Mergulhos do Passado (2007).