Toque Feminino -

Toque Feminino

Coluna • 23 de junho de 2009 • Manuella Bezerra

Pensei, pensei e conclui que, provavelmente, toda primeira coluna de um jornalista em qualquer veículo deve ser bem ruim. Afinal, apresentar-se é clichê, mas é preciso. Como fazer alguém ler o que você escreve periodicamente sem, ao menos, dizer quem você é e de onde veio? Por isso, começo exatamente pelo começo. Sou Manuella, jornalista diplomada – porque hoje em dia é preciso deixar este detalhe claro – e vou usar meus dedinhos semanalmente para transmitir à esta coluna minhas sensações e impressões enquanto mulher que atua no jornalismo esportivo.

Até o dia que o meu antigo editor – da época de estagiária – me convidou para retornar a editoria de esportes do jornal, eu confesso que acreditava, somente, na minha versatilidade profissional. Afinal, atuei em assessoria de imprensa de movimento social, câmara de vereadores, banco federal e até ong ambientalista.

Contrariando minhas expectativas, veio o encantamento. O universo do jornalismo esportivo é, de fato, intrigante por ser diferente para uma mulher. Primeiro porque lá não é possível encontrar fivelas, batons de tons escuros ou liquidações de lingerie. Muito menos colegas compartilhando as experiências de cocôs e madrugadas amamentando seus filhos.

E está justamente aí a charada. O caminho errado é deixar-se tomar pela adormecida militante feminista revolucionária ou seduzir-se para levantar bandeiras contra os colegas apaixonados pela bola e as confusões que ela traz consigo. Também não funciona a defensiva, sempre querendo provar que pode tanto quanto ou mais do que eles. O segredo é mergulhar inteiramente na leitura destes olhares, gestos e dizeres masculinos, tão brutalmente levados pela emoção que proporcionam as bolas, pernas e os dribles mágicos dos magos do futebol.

Diariamente, são 12 homens que me rodeiam no trabalho em equipe. Enquanto eles, em quase sua totalidade, esbravejam roucos por um impedimento e guerreiam selvagens pelo time da capa do caderno para a edição do dia seguinte, eu me interno em uma bolha cheia de tabelas e personagens interessantes produzidos pelo futebol feminino, natação, vela ou até mesmo dos esportes radicais – paixão avassaladora da minha vida profissional.

É lógico que trabalhar com tantos homens gera seus traumas. Não é difícil se deparar com alguma imagem explicitamente sexual nem com comentários impertinentes, no entanto, previsíveis, da mente masculina. Mas até mesmo os traumas acabam divertindo os dias maçantes e despertando uma espécie de contra-sensibilidade necessária a quem precisa se inserir nesta realidade.

Eu bem que gosto de um campo. Antes de meu filho nascer, me distraia nos clássicos pernambucanos xingando os juízes e tomando cervejas, nos tempos áureos onde a lei seca era somente elucubração. Mas não há como competir com eles. Eles são mesmo apaixonados. Desde que eu me divertia louca com minhas bonecas Barbies que meu pai me dera com carinho, trocando e destrocando seus modelitos; eles já se deleitavam em campinhos de barro e grama correndo com garra atrás da bola, fosse ela, até mesmo, de meia ou de papel.

Eu até topo, animada, fazer a cobertura de um clássico em dia de domingo se for o caso. E faria com competência. Mas jamais com a maestria que só eles têm de colocar palavra por palavra a sensação de ataque do miocárdio causada por uma bola na trave. Sou bem feliz onde estou. E a cada sílaba que escrevo sobre meus nadadores, surfistas, maratonistas, judocas e caratecas, tenho a sensação de estar mais realizada. E ainda mais, agora, ao dividir com a Zena a aventura que é o bastidor de uma jornalista esportiva.