Pessoinha
Quietinha, estava eu.
Gozando a minha plena e despreocupada pós-adolescência.
Duração eterna, eu previa.
A vidinha de sempre trazia todas e nenhuma novidade do mundo.
Liberdade cativa.
Daí, pow! A notícia:
– Tem alguém morando em você.
– Como assim morando em mim, doutor?
– Isso mesmo. É uma pessoinha. Se alimenta do que você se alimenta. Ouve o que você ouve. Sente o que você sente. Tem alguém morando em você.
Volto pra casa desolada. Era felicidade também. “Que incrível. Que poderosa sou eu, posso até gerar vida?”.
Mas eram tantas rugas. Rugas de dúvidas. E, de certo, nenhuma seria retirada antes que chegasse o tempo certo.
Resolvi esperar. Uma hora, a tal pessoinha ia responder minhas perguntas.
– “Tem alguém aí?”, falava com a barriga – ou seria com a pessoinha -, sem retorno.
Quando muito, a resposta eram horas e horas a fio de enjoo e cabeça enfiada no vaso.
“Acho que ele não gosta tanto de Nutella quanto eu”, pensei.
Aí o tempo foi passando. A barriga foi crescendo. Eu estava no caminho certo. ‘A pessoinha’ estava desenvolvendo. E forte, segundo o médico, que vez por outra fazia um filminho dele para verificarmos sua saúde.
É tanto tempo com a ‘pessoinha’ morando em você. Na medida em que ela cresce, vai crescendo também um sentimento. Desses fortes, que faz tão bem a gente.
Chegou um tempo em que achei que ele começou a falar. Queria avisar pra mim que estava ali. Tolinho – como se eu já não soubesse. Ele chutava sua casinha até que eu pudesse ver o seu pezinho.
Não havia voz. Mas eu sentia: -“Sou eu, mamãe. A pessoinha que mora aqui”.
– Na bexiga não, ‘pessoinha’. Na bexiga, não.
Com a barriga já pela boca, as ancas doíam.
– Ai que dor, seu doutor. Essa pessoinha não está comendo demais?
– Calma, casulinho. Esta é somente a dor mais fraquinha que você terá.
Em poucos dias, entendi o que disse o doutor. Como aquela pessoinha iria avisar que queria sair dali? A dor explicava que aquela casinha já estava pequena demais para a ‘pessoinha’.
– Vejam, vejam. Chegou a pessoinha.
Como eu estava feliz. Meu coração, agora, tinha o dobro do tamanho. Meio desengonçada, era tão curiosa em conhecer seu rostinho. Que apareceu, todo enrugadinho, avermelhado.
– Que engraçado. Ele tem meu cabelo, doutor. E meus olhos caídos também.
– É seu príncipe, a pessoinha. Agora você não é mais casulinho. Agora você é a Rainha.