O tiro saiu pela culatra - Eleanor of Aquitaine - The Eagle (Ilustração de Alexia Sinclair)
Eleanor of Aquitaine - The Eagle (Ilustração de Alexia Sinclair)

O tiro saiu pela culatra

Coluna • 25 de setem bro de 2009 • Manuella Bezerra

Tem uma coisa que eu tenho repetido compulsivamente desde que casei e tive filho. Malditas as infelizes que inventaram de largar a paz de suas casas em 1968 para queimar sutiã em frente ao Senado, em Washington, nos Estados Unidos. A proposta, inicialmente, até que era boa. Igualdade de gênero, direito a voto. Direitos e deveres iguais. O problema é que parte do tiro sobrou. E pior. Atingiu bem as nossas ventas.

As mulheres contemporâneas bem sabem a que me refiro. Enquanto poderíamos, nós, estar no sossego do lar, preocupadas com a janta do marido, passando cremes e finalizando aquele lindo trabalho de tricô, agora, é preciso dar conta da casa, marido, menino e jornada tripla de trabalho – e mais. Provar todo dia que somos muito boas no que optamos por fazer. É lógico que tem suas vantagens, afinal, tudo tem alguma vantagem. Hoje em dia, mulher pode até ser árbitra de futebol. É o lado – único – louvável desta bandeira. Sendo que ela tem muitos lados.

Esta semana conversei com Ana Karina, 29 anos. Pernambucana, desde 2008 ela ocupa o posto de única representante oficial do quadro da FIFA no Estado e recentemente foi convocada para arbitrar a Libertadores da América feminina. Nos conhecemos no início deste ano, quando produzi com ela uma matéria especial para o dia da mulher. A moça, além de bonita e extremamente feminina, é competente e dedicada. A convocação para estar na competição sul-americana é, inclusive, uma conquista para ela enquanto profissional, já que somente duas árbitras do País estarão na competição.

Mas a história de Ana Karina poderia ter sido bem diferente. Ela mesmo revelou. Nem de futebol gostava. Seu negócio era mesmo vôlei. Olha aí. O caminho seria mais fácil caso fosse essa a escolha. Mas ô bichinho tinhoso é a tal da mulher. E se tiver sangue nordestino, então, não tem quem segure. Bastou alguém dizer a ela que ela não podia (e disseram muito) e danou-se. Foi curso atrás de curso, treinamento atrás de treinamento e a idéia fixa típica das mulheres que têm por natureza o profundo ódio mortal de serem subestimadas. Deve ser alguma espécie de defesa. Não sei. Sei somente que foi por causa disso que, hoje, nenhum árbitro homem em Pernambuco faz parte do quadro da FIFA. Mas ela faz. E sorri no canto da boca toda vez que lembra disso.

Ainda assim, pasmem, em Pernambuco, Karina não é convocada para apitar clássicos. Agora faz sentido? A menina, comprovadamente uma excelente árbitra, parte do quadro da FIFA e, em 2008, por exemplo, arbitrou partidas de juniores e somente dois confrontos pela Copa Pernambuco – um entre Cabense e Manchete, e a semifinal entre Santa Cruz e Salgueiro. Isso no futebol masculino, claro.

Creio eu que ela use a mesma tática que eu aqui com meus 12 colegas ultra-testosteronas da equipe do jornal. Ingresso no universo deles e executo meu trabalho como tem que ser e como eu sei fazer. Cara de paisagem, sem peitar, sem enfrentar, sem confrontar, mas com competência e comendo pelas beiradas, igual a papa de nenén. Agindo somente com impetuosidade no que se diz respeito à determinação. Mas cá entre nós. Soubesse eu o tamanho da bronca (e da paciência necessária para isso) tinha me tornado colunista social ou jornalista de moda. Soubesse Ana Karina o chão que tinha pela frente até poder ser reconhecida pelos colegas, tinha ido jogar vôlei. E soubessem as mulheres de Washington, em 1968, o valor que poderia vir a custar uma lingerie decente em 2009, jamais teriam queimado os benditos sutiãs.