Meritocracia -

Meritocracia

Matéria • 7 de novembro de 2011 • Jana Lauxen

Esta palavra esquisita, que aparece como título neste texto é, em minha opinião, a única saída para vivermos em um mundo melhor, mais justo e, porque não dizer, mais feliz e suportável também.

Para quem não sabe, meritocracia vem do latim mereo, que significa merecer. Trata-se de um sistema que considera o mérito a razão para se atingir determinada posição. Resumidamente quer dizer que, se você não faz por merecer, você não ganha. Ponto final.

Muita gente, naturalmente, é contra a meritocracia. Dizem que, numa sociedade desigual, é impossível aplicá-la sem cometer injustiças terríveis. Ora, argumentam, como um aluno sem condições de estudar pode, por exemplo, competir com outro, que teve acesso às melhores escolas e cursinhos, baseado apenas no seu mérito? As chances de um são, claramente, inferiores as do outro. Igualá-los baseado unicamente no mérito seria uma injustiça, não?

Não.

Muito pelo contrário.

No caso do exemplo dado, sempre pensei que, em se tratando de educação, 50% do mérito está, sim, com a escola e com os professores (teoricamente melhores, em instituições privadas). Mas os outros 50%, sem dúvidas, estão com os alunos. Isto é: se o estudante quiser aprender, ele irá aprender, não importam as adversidades – basta, para isto, que se dedique. Basta que tenha seus méritos pessoais.

Eu mesma estudei a vida inteira em colégio particular, fiz minha faculdade em uma universidade também particular, e sinceramente: meus professores, tanto do colégio quanto da faculdade sempre me pareceram mais perdidos do que cachorro em dia de mudança, e eu posso contar nos dedos aqueles que tinham, verdadeiramente, algo a ensinar. E destas salas de aulas pelas quais passei, despontaram alunos sensacionais, quase geniais (não, realmente não foi o meu caso), e alunos sofríveis (oi!), que possivelmente saíram sabendo menos do que quando entraram.

Como se explica isso, se todos tiveram os mesmos professores?

Através dos outros 50%, que dizem respeito aos alunos.

Pode-se sair de colégios tradicionais e caríssimos alunos completamente abestalhados, e de escolas pobres e públicas estudantes altamente competentes, pois não há instituição capaz de suprir os 50% que dizem respeito, unicamente, a cada aluno. Eu até compreendo que aplicar a meritocracia integralmente, em um país com tantos problemas básicos seja, para dizer o mínimo, complicado. Mas trata-se de um dos poucos sistemas no qual eu acredito, o único que talvez colabore para que se aumente a qualidade, seja da educação, seja da saúde, seja da política, seja lá do que for.

Mas vamos continuar na sala de aula. Imaginemos uma turma com 20 alunos, prontos para fazer uma prova. Nesta turma, alguns estudaram muito, outros estudaram pouco e outros simplesmente não estudaram. A professora aplica a prova, todos respondem as questões e, ao final, a docente avisa que a turma não terá notas individuais, e sim uma nota média entre todos os alunos. Somar-se-ão todas as notas, e dividir-se-á pelo número de estudantes. Qual o resultado? Os alunos que não estudaram e que iriam se dar mal de qualquer maneira, possivelmente não iriam reclamar. Mas e o que dizer daqueles que, sim, estudaram, se esforçaram, e agora terão a nota baseada na média da turma? É provável que, já na próxima prova, estes alunos estudiosos não o fizessem com tanto afinco, chegando até mesmo a deixar de estudar, já que não faz a menor diferença; já que seu mérito não será levado em consideração. E o resultado final desta ‘igualdade’ será uma turma inteira com notas pífias.

Agora imaginemos que não estamos em uma sala de aula, mas em um país. Que país será esse?

Há quem diga, ainda, que o mérito é algo difícil de medir. Afinal, quem decidiria quem tem e quem não tem mérito? Bem, eu acho esta questão muito simples, e depende apenas da área na qual o profissional em questão atue: é professor? Seu mérito pode ser medido pelas notas e pelo aprendizado de sua turma. É vendedor? Baseiam-se, então, nos números de sua venda. É pintor, médico, pedreiro, cozinheiro, arqueólogo? Tudo medido através da qualidade e dos frutos de seu trabalho.

Não tem erro e fim.

Acontece que muita gente, principalmente aqueles alunos que não estudaram para a prova, teme a meritocracia. Afinal, sabem, seu mérito é ínfimo, e com uma avaliação baseada neste mesmo mérito, sem dúvidas sairão prejudicados. Porém o que devemos entender é que são justamente estes que empacam e não deixam andar para frente nenhum trabalho e nem nenhum país, porque não fazem a sua parte e nem o seu trabalho direito, e ainda por cima desmotivam aqueles que fazem – e que ganham o mesmo salário, ou as mesmas notas, de quem não faz.

Na faculdade (particular, lembrem-se) que eu fiz, a meritocracia só não passava mais longe do que a qualidade do ensino. Aliás, posso dizer que se aplicava ao inverso: cansei de ver excelentes professores serem sumariamente demitidos porque não participavam da panelinha triste que era a direção de minha faculdade. Vi sair, sem maiores esclarecimentos, professores idolatrados pelos alunos porque tinham o que ensinar – e ensinavam. Enquanto outros, que mal entendiam a diferença entre dia e noite, permaneciam perpetuamente ensinando o que simplesmente não podiam ensinar – porque não sabiam sequer do que se tratava. Se fosse aplicado na UPF o sistema de meritocracia, ouso dizer que não sobraria uma viva alma no núcleo de professores da Faculdade de Artes e Comunicação.

Tem também quem pense que a meritocracia poderia gerar uma sociedade demasiado competitiva. No entanto, o que são os países de primeiro mundo, senão sociedades altamente competitivas? Ser competitivo não significa passar uns por cima dos outros e viver como abutres doidos por sangue. Significa apenas competir, tentar ser sempre o melhor, ganhar espaço, superar seus concorrentes e a si mesmo. E quem ganha com isso? Todo mundo – menos aqueles que não possuem mérito algum. E se não possuem mérito algum, é simplesmente porque não querem; porque são preguiçosos, acomodados e, arrisco afirmar sem medo de errar: estúpidos também.

Eu acredito na meritocracia, seja em se tratando de nação, seja em se tratando de pequeno núcleo familiar. Pois é justo que aqueles que fazem mais e melhor sejam reconhecidos por seu esforço e dedicação.

Além do mais – e me desculpem aqui os socialistas-comunistas-anti-capitalistas – eu não creio na igualdade social. Não que eu não gostaria que ela existisse; é óbvio que sim. Mas qualquer pessoa que pense por um minuto vai perceber que a igualdade plena é completamente utópica. Evidente que eu acredito que é possível acabar com a miséria, onde ainda vivem inacreditáveis bilhões de pessoas ao redor do mundo, mas igualar a todos, no mesmo patamar social, é impossível.

Se o mundo, o Brasil, nosso estado, nosso bairro, nosso emprego e nossa família adotassem a meritocracia como sistema vigente, ao contrário do que muitos pensam, seria mais difícil o acometimento de injustiças. E, vejam bem: a meritocracia não se abaliza através de quem é o melhor. Mas de quem merece. E esta diferença é muito importante de ser entendida.

O que me lembra outro exemplo, que gostaria de dar por ilustrar magistralmente esta questão: como alguns de vocês sabem, eu organizei duas coletâneas pela Editora Multifoco, a Assassinos S/A Vol. I e II. Nesta ocasião, tive oportunidade de ler textos deveras sensacionais, de autores verdadeiramente promissores e talentosos. Porém – e sempre há um porém – tratavam-se, igualmente, de autores descompromissados, megalomaníacos, metidos a besta e, acima de tudo, chatos. Chatíssimos, chatésimos, super chatonildos. Em compensação, tive acesso a textos medianos, de autores também medianos, mas que, ao contrário, eram dedicados, compromissados, responsáveis. Quais eu escolhi? Optei pelos medianos em detrimento dos excepcionais. E aí alguns de vocês me dirão: mas isto não vai contra o que diz a meritocracia? Não deveriam ser os melhores a serem escolhidos? E eu lhes respondo: não. Porque, no caso do exemplo citado, o melhor escritor não é, apenas, aquele que escreve os melhores textos, do mesmo jeito que o bom médico não é aquele que detém os maiores conhecimentos sobre medicina. Imaginou um super médico, mas que não cumpre horário, não atende nos finais de semana, não é capaz de tratar seus pacientes com consideração e carinho? De que adianta ser um super médico?

Meritocracia não é premiar, necessariamente, quem é melhor, mas quem é merecedor, e alguém só se torna merecedor se for esforçado.

Eu sei que tudo o que escrevi aqui não deixa de ser, também, um pouco utópico, e é complicado encontrar uma única solução que resolva todos os problemas que, atualmente e enquanto nação, enfrentamos.

Mas fico feliz que esta palavra tão estranha – meritocracia – já esteja começando a ser levantada, debatida, analisada. Talvez levemos mais 500 anos para conseguir encontrar o jeito certo de colocá-la em prática, de modo a não piorarmos o que já está ruim.

Contudo, não me resta nenhuma dúvida de que, apenas valorizando o esforço e, conseqüentemente, o mérito de uma pessoa, é que poderemos fazer justiça, e ver nosso país realmente crescer e prosperar.

Quem faz o que deve fazer, da melhor maneira que pode fazer, não precisa temer a meritocracia. Ela só é perigosa para quem sabe que ocupa uma posição e recebe um salário que simplesmente não condiz com aquilo que merece.