Cala a Boca Tadeu Schimidt - Tadeu Schmidt (Foto: Divulgação)
Tadeu Schmidt (Foto: Divulgação)

Cala a Boca Tadeu Schimidt

Coluna • 8 de julho de 2010 • Jana Lauxen

Não preciso nem entrar em maiores detalhes sobre qual é o assunto deste texto, né?

Este título é auto-explicativo.

Qualquer criatura que não habite uma caverna numa ilha deserta no meio do oceano ouviu falar que, no Twitter, teve gente que resolveu usar seus 140 caracteres para mandar um pessoal aí calar a boca.

Primeiro foi o Galvão Bueno, logo na estréia da copa. O comentarista da Globo, talvez o mais popular e certamente o mais odiado do país, foi alçado ao topo do Trending Topic BR (lista brasileira que reúne os assuntos mais comentados do dia no Twitter) graças ao CALA A BOCA GALVÃO, assim, tudo em maiúsculo.

A brincadeira foi tão longe que, quando chegou ao Trending Topic Mundial (que reúne os assuntos mais comentados do dia em todo mundo) e os gringos começaram a se perguntar que diabos era CALA A BOCA GALVÃO, um brasileiro peraltinha resolveu dizer que se tratava de uma campanha pela preservação do pássaro Galvão, em extinção no país. Logo havia cartazes e vídeo circulando na rede, e o assunto ultrapassou fronteiras.

Não dá para negar que é engraçado, apesar de ser só engraçado.

A coisa começou a ficar séria na noite de domingo, dia 20 de junho.

Durante o programa Fantástico, da Rede Globo, exibido todo domingo de noite faz mil anos, Tadeu Schmidt entrou ao vivo, diretamente da África, e em tom cerimonial queixou-se, ‘em nome de toda a imprensa’, da maneira indelicada com que o treinador da seleção brasileira, Dunga, tratava os jornalistas. Tudo porque na tarde daquele dia, e depois de uma bonita atuação contra a Costa do Marfim, na qual a seleção saiu vitoriosa, Dunga tratou com ironia um repórter da Rede Globo, durante uma coletiva de imprensa.

Tudo bem, todo mundo sabe que Dunga não é nenhuma Miss Simpatia. Todo mundo é conhecedor da birra do técnico com a imprensa, que vem lá dos anos 90 e da fatídica ‘Era Dunga’.

E a despeito do que cada um de nós pense do Dunga, o fato é que, enquanto Tadeu ainda choramingava, ‘em nome de toda a imprensa’, a má criação de Dunga, no Twitter o Cala Boca Tadeu já era o assunto mais comentado do país. Em algumas horas, o mais comentado do mundo.

Só que desta vez não era piada.

O pessoal, que em sua maioria até domingo de tarde tinha ojeriza ao Dunga por causa do que consideravam sua péssima escalação, passaram a defendê-lo ferrenhamente, mandando que o jornalista, porta-voz do desabafo global, calasse sumariamente sua boca.

Na verdade, Tadeu foi apenas um bode expiatório; o pessoal mandava era a Rede Globo calar sua boca. Uma emissora que, independente em que você acreditar, possui um histórico de especulações em torno de sua idoneidade, sendo acusada de manipuladora, de alienadora e outros adjetivos extremistas dos quais ninguém é capaz de duvidar.

É a primeira vez que, coletivamente, mandamos a Globo – um emblema inegável de força e poder – calar sua boca.

Imagina se houvesse Twitter por aqui em nossos anos de chumbo?

Tudo poderia ter sido completamente diferente.

Acharam exagerada minha comparação?

Pode ser.

Vocês podem estar certos quando dizem que uma ferramenta como a Internet (e tudo que vem dentro dela) não seja capaz de derrubar um governo tirano e opressor, mas vocês hão de concordar que, no mínimo, atrapalharia. No mínimo, causaria uma bela dor de cabeça em qualquer ditador metido a besta.

E para quem pensa que, num governo déspota ninguém poderia sequer acessar a internet, saiba que está redondamente enganado.

Cuba, um país tradicionalmente conhecido por ser comandado a mão de ferro pelos irmãos Fidel, não apenas possui o acesso a internet limitado, como também o acesso a comida e a luz elétrica e a papel higiênico e a água encanada. Falta tudo; tecnologia então, nem se fala. E mesmo num cenário aparentemente inóspito, eis que surge o blogue Generación Y (www.desdecuba.com/generaciony), da blogueira e filósofa cubana Yoani Sánchez – um blogue que fala basicamente de seu país, e da situação de penúria na qual se encontra o povo cubano. Yoani já foi ameaçada de morte, já foi presa, já foi proibida de sair do país e, recentemente, também foi seqüestrada e espancada por agentes da polícia política cubana, sem maiores explicações. Mesmo assim continua escrevendo e publicando, e não parece ter planos de parar.

Yoani só não foi ainda eliminada dessa história porque matá-la seria chamar escandalosamente a atenção para o grave problema que assola Cuba. Afinal o mundo inteiro conhece Yoani, e só a conhece por causa da internet. Se ela for assassinada, o governo cubano estará estupidamente assinando a autoria do crime, e certamente será cobrado a dar satisfações – e não apenas para Cuba, já acostumada aos seus descalabros cotidianos. Mas ao mundo todo, do Brasil ao Canadá, da Ásia a Groenlândia.

Pegaria muito, muito mal.

Talvez as pessoas ainda não saibam, mas parece que começam a descobrir o poder desta singela invenção chamada Internet, que traz o mundo inteiro para dentro de nosso computador e permite que naveguemos por ele, tal e qual os primeiros descobridores, porém no conforto de nossas casas e ao trabalho de um click.

Cala a Boca Tadeu pode até parecer uma imensa bobagem, pois, como lembraram muitos tuiteiros e retuiteiros, enquanto todo mundo se preocupa em mandar o Tadeu calar a boca, o senado aprovou 18% de aumento para os seus já endinheirados senadores.

Correto, é um absurdo 18% de aumento. Todo mundo concorda, do mesmo jeito que todo mundo está careca de saber que políticos surrupiam nossos níqueis todos os dias, descaradamente, seja através de aumentos despropositados, seja através de todo o resto.

Porém não é todo dia que nos mobilizamos para mandar a maior emissora do país calar a boca.

E, vejam bem: não tenho nada contra a Globo, particularmente falando. Também não sou daquelas ativistas neuróticas que culpam a emissora por todos os problemas da humanidade. Apenas a utilizo aqui como exemplo de um símbolo de poder, que poderia ser qualquer outro.

E é por isso que acredito que mandar um Cala a Boca Tadeu no Twitter é, também, uma forma de fazer política, quiçá mais significativa e interessante (além de bem humorada) do que ficar retuitando notícias do Senado e armando discussões bobinhas em mesa de bar.

Precisamos entender que estamos em 2010, e muita coisa mudou dos anos 70 pra cá.

A manipulação, antes escancarada, hoje vem travestida, disfarçada, perigosamente sutil. Os abusos são tão homeopáticos que mal e mal os percebemos. Não podemos continuar na tolice de acreditar que é pintando a cara e indo pra rua enfrentar a polícia e quebrar vidraça de loja que estaremos fazendo revolução e mudando o país.

Se isso adiantou no passado, não sei, mas agora não faz mais sentido nenhum.

A ditadura terminou, pelo menos do modo como a conhecíamos. E mudou a maneira com a qual o povo (eu, você, todos nós) se manifesta, e também se relaciona com a política.

Ouço muita gente dizer que a juventude é alienada, despolitizada. Eu discordo. Acredito que o que mudou foi a maneira de se fazer política. Ser politizado não se resume, apenas, a candidatar-se a cargos políticos, empunhar bandeiras, tornar-se militante e ficar retuitando notícias sobre seu candidato.

Eu, quando escrevo minha opinião livre de qualquer forma de censura aqui, na Revista Zena, ou em meu blogue, faço política.

O CQC e o Pânico, dois programas de humor muito populares da TV aberta, quando vão ao Congresso constranger nossos representantes e fazer piadinhas, estão fazendo política.

Todo mundo que assinou a petição on-line pedindo a aprovação do projeto FICHA LIMPA fez política.

Mudou as formas, o sentido ainda é o mesmo.

E por isso que, quando alguém escreve Cala a Boca Tadeu no Twitter também está fazendo política, no sentido de que a Rede Globo faz e sempre fez o que bem entendeu com a opinião popular.

É como se disséssemos: ainda estamos aqui, oi?

Vocês podem achar isso medíocre, e podem dizer que os revolucionários de hoje em dia são preguiçosos, medrosos, estúpidos.

Podem argumentar que um Cala a Boca Tadeu não significa nada, não muda nada, não representa nada – trata-se apenas de uma babaquice virtual e fim.

Todavia, caros amigos, grandes transformações sociais começam a partir de pequenas mudanças individuais, e a tal da revolução, que muitos ainda esperam chegar espalhafatosa, está vindo taciturna e discreta, porém mais rápida do que imaginávamos.

E a internet, acreditem, é nossa grande e principal aliada.

Os pessimistas que se dizem realistas discordarão, mas só não vê quem não quer que as coisas estão começando a mudar, e a mudar para melhor.

Evidente, nada acontece da noite para o dia, de um minuto para o outro. Não é num piscar de olhos.

No entanto, aos poucos e cada vez mais, vamos redescobrindo nossa força enquanto nação.

E isso simplesmente faz toda a diferença.

Yoani que, em Cuba, aos trancos e barrancos continua escrevendo seu blogue, faz política e é líder de sua revolução individual. Quem poderia imaginar que um simples blogue iria fazer o que Generación Y faz todos os dias, postagem após postagem?

Óquei, os Fidéis não cairão porque causa de seu blogue. A liberdade de expressão e os direitos mais básicos não serão devolvidos ao povo cubano por causa de suas postagens.

Mas Yoani faz barulho e incomoda, lá de Havana, sentada quietinha na frente de seu computador.

E nós, aqui, demonstramos através do aparentemente pacóvio Cala a Boca Tadeu que não somos tão cegos, surdos e mudos como poderíamos parecer.

Estamos aprendendo a incomodar, e isso é o início de uma barulheira impossível de não se fazer ouvir.

Avante, então.

E que assim continue sendo.