A solução do Bullying – EU TENHO!
Em 1996 eu estava na sexta série e tinha um colega chamado Paulo que era o terror. Ele literalmente transformava num inferno a vida de metade da turma, e é claro que eu estava nesta metade da turma que ele amava infernizar. O Paulo detectava e abertamente debochava de todos os nossos defeitos – até mesmo aqueles que a gente nem sabia que tinha. E eu, que era enormemente alta, terrivelmente desengonçada, gordinha e com um corte de cabelo semelhante ao de Rick Martin na época dos Menudos, era um alvo mais do que fácil.
Paulo tinha seus asseclas, é verdade. Meninos que, provavelmente para escapar de suas humilhações, uniam-se a ele e, junto dele, ajudavam a tornar a vida escolar de todos ainda mais difícil. O mais estranho e sinistro era que muitas das vítimas de Paulo, numa atitude claramente defensiva, transformavam outros colegas em suas vítimas também, como numa roda-viva malévola e aterrorizante. Nesta época ninguém falava em bullying. Tudo não passava de ‘brincadeiras de criança’, mesmo que as tais brincadeiras ferissem, machucassem e magoassem profundamente.
A primeira vez que ouvi o tal termo, pensei: gente! era o que me acontecia, era o que acontecia a boa parte de nós. E, dentre outros, muitos outros, me lembrei do Paulo. Por isso, quando apareceu o vídeo do menino Casey que, cansado das agressões diárias sofridas no colégio e possivelmente fora dele também, resolve reagir, foi inevitável dar um sorrisinho brejeiro. Não sabe do que eu estou falando? Então, meu amigo, tire alguns segundos do seu dia para entender. E se você foi vítima de bullyng, assista ao vídeo até sua internet cair, que o prazer é inenarrável e chega a beirar o êxtase.
Assistiram? Pois acreditem: eu sou contra a violência. Porém, sou igualmente contra agüentar todo tipo de desaforo sorrindo e sem gemer. E da mesma maneira de Casey se tornou meu herói para sempre – o cara que, finalmente, reagiu às investidas do seu agressor – ele também se tornou o herói de todo mundo que um dia sofreu as humilhações gratuitas e violentas de algum coleguinha babaca.
No entanto, disso já sabemos. O que queremos mesmo saber é o que fazer para terminar definitivamente com o bullying. Pois bem, caros leitores e leitoras: eu sei esta resposta. Sim, eu sei. Como a vítima de bullying que fui – e como algoz também, pois infelizmente, lá pelas tantas, aderi a sinistra roda-viva de que acima falei e passei a atacar aqueles a quem eu considerava mais fracos do que eu – voz digo com toda a certeza do universo: EU TENHO A SOLUÇÃO.
E a solução está na própria escola.
É claro que educação vem de casa, e que se os pais fossem mais participativos e responsáveis teríamos crianças menos desequilibradas e violentas, mas esta não é uma alternativa viável, pois não há como fiscalizar todos os lares que possuam crianças e adolescentes para ver se estes estão recebendo a devida atenção e boa educação que merecem.
O problema do bullying é que, em praticamente cem por cento dos casos, a escola é a primeira a se omitir, a fingir que nada houve, a varrer a sujeira para debaixo do tapete e sair chupando um picolé. E eu pergunto: cadê a direção da escola que não viu Casey ser socado e maltratado em pleno corredor, em pleno horário de aula? Onde estavam os professores, diretores, administradores e toda essa gente que fez faculdade de pedagogia e mestrado e doutorado e toda essa porra do caralho? Tomando cafezinho na sala dos professores? Resposta: possivelmente sim.
Na minha época e na época do Paulo era assim. Ele fazia o que queria e ninguém via, ninguém ouvia, ninguém sabia. A direção só ia se meter se começasse um quebra-pau, mas no caso do bullying, sabemos: dificilmente se inicia um quebra-pau. O bullying acontece silenciosamente, à surdina, justamente porque o agressor não quer ser descoberto, e o agredido tem medo de denunciar e sofrer ainda mais maus tratos.
Tem também um detalhe, que não deve ser regra, mas era o que acontecia na Escola São José Notre Dame, de Não-Me-Toque, onde eu estudava nesta época que tento esquecer: Paulo tinha dinheiro. Seu pai era um empresário bem sucedido que trocava de carro todo ano e pagava as altas mensalidades daquele apavorante colégio de freiras malucas em dia. Ora, como poderemos punir o filho do senhor doutor excelentíssimo Fulano de Tal? E assim Paulo foi acobertado durante toda a sua maldita infância e adolescência, e nós, que não éramos filhos de nenhum senhor doutor excelentíssimo, e que talvez nem pagássemos nossas mensalidades em dia (eu não pagava), que agüentássemos o cretino e suas ‘brincadeiras de criança’.
CANSEI de ver a direção fazer vista grossa para o Paulo. CANSEI de ver a vítima levar castigo enquanto ele saía assobiando e rindo – sim, RINDO! E, vejam bem: Paulo era o algoz da minha turma, mas havia os outros algozes, das outras turmas e, no fim das contas, todo mundo acabava machucado, menos os autores de tanta violência e bestialidade. E a direção? Tomando cafezinho na sala dos professores.
O que eu quero dizer é que enquanto as escolas não punirem severamente os promotores do bullying nos aposentos de suas instituições NADA VAI MUDAR. É preciso colocá-los de castigo, repreendê-los publicamente, dar-lhes punição, suspensão, expulsão. E que se dane se um ou outro é filho daquele ou daquela.
O cara é um aprendiz de bandido, minha gente, e fim de papo! Afinal, se com 13 anos o animal está chutando um coleguinha caído no chão com a anuência da direção da escola (eu vi isso acontecer, juro!), o que fará quando tiver 20, 30, 40 anos? Cortará a garganta da namorada e atirará seu corpo num córrego? Abafa.
Vejam novamente o vídeo de Casey: vítima e carrasco, aparentemente, estão na hora do recreio ou algo que o valha, nos corredores do colégio, com vários alunos em volta. O pobre Casey tomou vários socos e cadê a direção? CADÊ A MALDITA DIREÇÃO? Por isso, apesar de ser contra a violência sempre, deixo aqui uma salva de palmas ao Casey.
Porque eu o entendo. Não havia ninguém ali para defendê-lo. Todos estavam fazendo de conta que o seu martírio não existia, e ele precisava se proteger. E por isso – só por isso – praticamente quebrou no meio seu agressor com um golpe que deixaria Steven Segall inspirado.
Eu confesso que me vi ali, fazendo o mesmo com o Paulo e com tantos outros que conheci, e isso fez com que eu me sentisse muito bem, obrigada. Porque não há nada pior do que a injustiça, do que a covardia – e do que o consentimento de quem não poderia, jamais, se omitir numa situação como esta. E já que quem está sendo pago para manter a ordem dentro da escola não faz nada – direção, professores, enfim – então que façamos nós mesmos, do jeito que der.
Se as escolas simplesmente se recusam a tomar qualquer iniciativa, então que não reclamem quando as vítimas de bullying resolverem fazer justiça com as próprias mãos. E neste caso, a violência só tenderá a aumentar, até que perderemos o controle que sequer sabemos se ainda temos.
De qualquer maneira, te amo Casey.