Um pouco de tudo! - Esfinge (Pintura de Nadir Afonso)
Esfinge (Pintura de Nadir Afonso)

Um pouco de tudo!

Matéria • 11 de dezembro de 2010 • Gustavo Fontes

Pois
que seja então
consumado o rito,
ato escrito,
gesto que tateia
as fronteiras do interdito;
e busca penetrar, carneadentro,
os enigmas da terra.

Tenho a honra e o prazer de lhes anunciar a materialização de um intento; um evento inventivo, enfim, um rebento. Que agora rompe as malhas da matéria, uma das facetas da vida, e pretende corromper todas as cercas e muros, as poses dos sem futuro, dos Academicu’s Erectu’s, mas nem tão erectus assim…. Dos quadrados, dos caretas e…, e… melhor parar. Eu quero mesmo é falar deste cotidiano herdado, querem que agente aceite como fato consumado. Trata-se de uma maneira de lidar com as coisas, os bichos e as pessoas, e descobrir que mais importante que coisas, bichos ou pessoas, existe um lidar! E neste lidar, no simples exercício de bem respirar, de se alimentar, de aprender a semear, colher, compartilhar… está o segredo do mundo!

Precisamos reaprender a habitar. Esta palavra contêm um sentido divino. Pois bem, falávamos ainda deste cotidiano herdado, infestado que está (que estamos todos! ou quase todos), dos pharmákons e suas doses cada vez mais toleráveis de café, cigarros, álcool, maconha, cosméticos e outras drogas sujas como o crack. Os nossos esgotos desembocando nos rios. Ou ainda pior, a pedantia.

Isto para não falar da ingestão involuntária de violência e luxúria, e todo este caos urbano. Estamos em plena hybris, do cotidiano da Texyn (técnica) e do desengano. Este é o nosso desmedido drama pós Séc. XX, pós-guerras; pós-ditaduras. E ainda compartilhamos com o mundo todos os terrorismos contemporâneos, midiáticos; agora mais do que nunca, em escala global. Neste sentido não posso me furtar a dizer, ou ‘insinuar’ (que seria ensinar com nuances) que poucos entre nós são capazes de reconstituir em breves linhas, e com nexo, a história das grandes massas globais de habitação humana sobre a terra. Suas interações com o meio, com os outros. Basta esta simples questão e se abrirão largas as portas para a grandeza da historicidade do fenômeno humano.

E então, nos daremos conta de que este nosso desmedido drama contemporâneo, brasileiro, surge concretamente como domi-Nação, enquanto a continuação de um impulso “humanizador”, “civilizador”, o qual adquiriu forma plena no séc. XIX. Quando houve a completa formalização de um novo paradigma de mundo, surgido ainda no séc. XVI, a partir do primeiro mapa de todo o globo terrestre, quando todos os continentes e culturas foram integrados ao primeiro “sistema mundo” da história da humanidade – “euro-centrado”, que vem, desde então, imperando sobre o planeta. A partir de sua eficácia técnica, científica; militar; econômica; e também de discurso, claro, o “euro-dito”.

E falo isso, porque tenho de falar. Sou brasileiro e como poucos brasileiros, latino-americano, me reconheço como parte deste continente maior que nos abriga! E muito me intriga, por exemplo, esse boicote bibliográfico, tanto das editoras quanto das academias brasileiras, de não trabalharem com a literatura em espanhol, castellano. Eles, para dizer o mínimo, já traduziram tudo de que há de mais relevante na história da cultura. E digo isto também porque já estou farto deste discurso bem comportado, ornamental, Instrumental, transcendente. Vamos construir nossa modernidade, a deixa já foi dada, Antropofagia neles! Pois que não preguem! Mas que aceitem que o melhor pensar, ao menos o mais saudável, habita no diálogo. Se precisamos de um conceito: que seja o melhor viver entre os nossos, humanos iguais em liberdade e saúde, em possibilidades para o diálogo.

Mas para isso, é preciso que nos libertemos destas técnicas asfixiantes, da cultura de massa, da imperiosa mediocridade dos meios de comunicação. Neste ambiente, não há espaço para aperfeiçoar a sensibilidade. A palavra estética vem do grego “eystesis”, que quer dizer sensibilidade. Aqueles sim, souberam como poucos aperfeiçoar os sentidos para o fenômeno humano. Não é por menos que seus clássicos tão forte ainda reverberam em nossos desenganos.
Mas vamos falar dos nossos, que estão em larga medida embriagados de sexo, álcool e de consumo; que não aprenderam na escola mínimas regras de alimentação, em qualquer sentido que se dê a uma dieta saudável; que não sabem nada sobre plantar, cuidar da terra; e apenas agora, com o prenúncio do colapso ambiental, começamos a pensar uma maneira sustentável de habitar a superfície do planeta.

Veja, isto é o mínimo, pois o que a natureza ou a terra estão dizendo, é simples e claro: a maneira humana de habitar a superfície do planeta é insustentável. Esse modelo, escolhido e imposto, principalmente no último século, com o advento científico-industrial de uma tecnologia baseada no petróleo, no motor a combustão, no agronegócio e na fissão do átomo; está envenenando a Terra!!

A terra precisa, antes de calculada, ser percebida como recurso renovável, abundante doador de vida. É urgente a necessidade de dar um basta a esta dinâmica da poluição, da miséria e da desigualdade; do envenenamento, enfim!
Vamos nos embriagar de modernidade líquida, de racionalidade contra-hegemônica. Salve Tom Zé, Abujamra (que me despertou do sono dogmático), Egberto, Hermeto, Naná; o grande Evaldo Coutinho e por que não Oswald de Andrade? Nosso pai da horda antropofágica; Salve a lucidez de Vicente Franz Cecim, Gullar, Paulo Freire, Celso Furtado, Augusto Boal, Eduardo Viveiros de Castro, e tantos e tantos outros, que por suas vivências e posturas, jamais passaram ou passarão despercebidos, mesmo que nunca venham a tornarem-se conhecidos. Tudo que se produziu de pensamento autêntico, auto-centrado, localmente implicado. Antropofagia neles! Em todos eles! Precisamos mais do que nunca ficar fortes, pois se anuncia uma grande batalha contra-hegemônica em nosso horizonte.

Precisamos desconstruir esta retórica institucionalizada, e globalizada, da carência, do subdesenvolvimento. É apenas retórica. E cá entre nós, estamos melhor em felicidade e fluidez, em afirmação do ser. Pois temos um corpo erotizado, bem temperado pelo trópico de câncer. E Viva o Carnaval!! Agora claro que, infelizmente, por ser tão potente, nosso corpo se tornou especialmente suscetível às técnicas de dominação de massa, que exercem seu comando estendendo suas rédeas sobre nossos estímulos mais primitivos, como o sexo e a violência; com a técnica de repetição até o entorpecimento (e este argumento é aristotélico, quando diz que a melhor retórica é a da repetição); mas que em nosso meio estão especialmente fortalecidos pela ignorância e pela hipocrisia.

Este poder, de afirmar com tanta convicção o ser, o corpo, em meio a grande adversidade, é o nosso paradoxo, a nossa missão, o nosso enigma enquanto nação. E o mundo inteiro, hoje, está interessado em nossa Esfinge. Bastante oportuna é aqui a imagem de esfinge, pois pode-se dizer que a humanidade tem que resolver a questão urgente da Amazônia, ou da Água. E esta questão, é algo mesmo no nível de decifra-me ou te devoro!

Em suma, eis aí um livro que assumiu sobre vários aspectos e através de iniciativas diferentes e convergentes, o compromisso com um novo paradigma como algo urgente. Claro que a ser discutido, repensado, criticamente construído, a partir de um pensamento localmente implicado, socialmente consciente de nossa contemporaneidade, é difícil. O consumo globalizado, e de massa, pronto para realizar e tematizar a cultura, de uma maneira alternativa, contra-hegemônica, humanamente mais includente possível, será capaz de dizer que “nada do que é humano, me é indiferente”.