A onipresença da vitalidade feminina no tempo - Imperfection (Foto: Bruno Sersocima)
Imperfection (Foto: Bruno Sersocima)

A onipresença da vitalidade feminina no tempo

Coluna • 23 de junho de 2009 • Gabriel Kafure

A dificuldade que um homem tem para escrever sobre as mulheres é mais que reconhecida por elas próprias e, humildemente, por nós também. Talvez, em nossa literatura, foram poucos, além do famoso Francisco Buarque, que conseguiram expressar e sentir tão bem esse lado feminino. Após Simone de Beauvoir, fica bem clara a necessidade da igualdade que as mulheres vêm conquistando todos os dias e a que já conquistou. E mais conquistas hão de vir ainda, pois os danos milenares causados pelo machismo estão muito além de nossa compreensão de liberdade e igualdade.

Então, acima do concreto e do abstrato, procuramos agora o neutro, esse pronome que não existe em nossa língua e que é a própria linguagem. Dulcinéia Monteiro, autora de “Mulher: Feminino Plural”, diz que “são os diálogos entre Shiva – o princípio masculino – e Shakti – o princípio feminino – que descrevem a origem do mundo e suas transformações como um prazer criativo”. Como a filosofia, então, vai resgatar essa origem? Esse é um desafio imenso, resgatar o pensamento feminino desde sua mitologia até a sua atual língua. Voltamos aos mitos conhecidos e vemos: “na Suméria, Inana – ‘tu que adoças todas as coisas’ – na Babilônia, Istar – ‘doce e sonora dama dos deuses’ – ; na Fenícia, Siría, Astarte – ‘sou aquela que enfeita macho e fêmea’ -; no Egito, Ísis; Em Roma, Vênus; na Grécia, Afrodite – amor e paixão – e Demeter – fertilidade”, Dulcinéia.

Shiva e Shakti (Fonte: Internet)
Shiva e Shakti (Fonte: Internet)

Shiva e Shakti

Assim pensamos em dois arquétipos afrobrasileiros que sintetizam uma mulher: Oxum-Iêmanja e Iansã-Oxumaré. Duas linhas cíclicas, a primeira no universo mítico indígena se traduz pelo nome Yara, a mãe d’água, esse arquétipo que traduz o que só uma mulher pode fazer, o ato de dar a luz. Yara é o esplendor da mulher mítica enquanto, na segunda linha, vemos a mulher guerreira, mais contemporânea, mais justa, e Tenás, conhecida também como a poderosa Atenas.

Detalhe da instalação 'O cortejo' de Nelson Leirner, em exposição no CCBB do Rio (Foto: Luciano Joaquim / Flickr)
Detalhe da instalação 'O cortejo' de Nelson Leirner, em exposição no CCBB do Rio (Foto: Luciano Joaquim / Flickr)

Iêmanja

Toda essa ligação com a mãe natureza mítica também se dá na figura maravilhosa e cristã de Maria. Aí podemos dizer que a mulher, além de criar deusas, criou também Deus. É algo que está além de nossa compreensão filo-onto-teo-lógica, mas que, sinteticamente, pode dizer a todas as mulheres que está na hora de contar também suas histórias, seus contos-mitos. Com toda vossa gentileza, com essa produção, nós só trataremos de escutar e de compreender o mistério que é a psiquê feminina. Que para nós, homens, até então, vemos a nós mesmos como moças, pouco sabemos sobre esse lado mesmo de nós.

Logo, não se trata de mais uma dominação, se trata de uma reciprocidade, de uma compreensão mútua. Recomendamos então o livro de Clarissa Pinkola: “Mulheres que correm com os lobos”, já conhecido por tratar os mitos e histórias femininas. Assim, agradecemos e lançamos esse desafio da Revista Zena para participação de cada mulher, e de homens também, na formação imaginária desta coluna. Mandem suas histórias, contos, livros que nós iremos comentá-las aqui. “Nós mulheres nos tornamos um agente ou expoente do eterno feminino no desejar e no amar, na busca do saber e do ser, na ânsia de obter poder e realização” (ibid)

MULHER: FEMININO PLURAL: MITOLOGIA, HISTÓRIA E PSICANÁLISE.
Autora: Dulcinéia da Mata Monteiro
Editora Rosa dos Tempos
208 PÁGS | R$ 31,00

MULHERES QUE CORREM COM OS LOBOS
Autora: Clarissa Pinkola Estés
Mulheres que correm com os lobos.
Editora Rocco
628 págs | Preço: R$ 41,50