Alma feminina para governar o lar
Dizem por aí que é preciso ser homem para fazer certas coisas. Quer pegar um garrafão de água de 20 litros? Tem que ser homem para aguentar o peso. Andar sem camisa na rua? Só homens fazem isso (o topless é uma exceção que apenas confirma a regra). Urinar em pé, no canto da parede mais próxima? Isso então nem se fala. É um direito universal dos homens – para a maioria das pessoas, dos homens mal-educados, diga-se de passagem.
Mas, para encarar outras coisas é preciso ser “muito mulher”. Ou, pelo menos, ter um pouco de sensibilidade feminina. Sair da casa de mamãe é uma das atividades que exige essa prerrogativa. Quem quer morar só precisa deixar um pouco da macheza de lado. Antes que me entendam mal e comecem a me adjetivar disso e daquilo outro, aviso logo que não é preciso abrir mão da masculinidade ou mudar de orientação sexual.
De qualquer forma, todo homem que quer morar só tem que se revestir da alma feminina. É crucial ter a paciência das mulheres para fazer compras e pechinchar. Homem é prático demais da conta. Entra no supermercado (o mais perto de casa), pega o primeiro pacote de bolacha que vê pela frente, enfia no carrinho, embica em outra seção e por aí vai até chegar ao caixa.
Mulher não. Mulher gosta de supermercado. É capaz de passar horas e horas comparando e confrontando o preço e as qualidades energéticas do Molico ligth e do Ninho Diet. Quando me mudei, descobri que isso é uma virtude e tomei uma lição de economia doméstica. Quanto mais paciência e disposição, maiores são as chances da feira ser mais barata e, por que não?, mais saudável.
A organização é outro ponto-chave da alma feminina. Os psicólogos e demais estudiosos do ser humano dizem que as mulheres são mais organizadas porque são treinadas para isso, mesmo sem querer. O menino ganha uma bola e vai pra rua, dominar o mundo. A menina ganha uma casinha de bonecas e passa horas e horas mudando a posição da cama, do sofá, do fogão. É óbvio que o resultado seria uma pessoa com um nível de organização superior.
Quando fui pro meu primeiro apartamento, era raro um dia em que não perdesse, sozinho e num ambiente pequeno, a chave de casa. O tempo se esvaía enquanto eu procurava a chave. Hoje isso diminuiu. Na verdade, continua a acontecer, mas com a chave do carro. Duvido que a mulher passe por algo parecido. Ela é capaz de encontrar, de primeira, um biliro numa bolsa enorme sem se dar ao trabalho de olhar para dentro.
Então, passei a observar as mulheres que me cercam e a conversa com elas. Percebi que era preciso me organizar mais para ganhar tempo e deixar de me estressar com bobagens. Hoje até cogito decorar a parede com um pendurador de chaves. Também deixei de espalhar camisas e calças pela casa (depois, eu que tinha que juntar tudo) para colocar diretamente no cesto das roupas sujas. E agora, passado alguns anos, começo a enxergar a possibilidade de criar um peixe ou comprar umas plantas pra casa.
Namorada, amigas, mulheres da família, colegas de auditório… todas me falam que uma plantinha dá um outro astral ao apartamento. Eu sempre fui contra e rebatia dizendo que não teria tempo e paciência para cuidar de qualquer vivo a não se eu mesmo, tornando-me o serial killer número 1 do reino vegetal doméstico. O pensamento está mudando. E não é que uma samambaia ali no cantinho da sala cairia bem…