“Magical Mistery Tour” de Paul no Recife -

“Magical Mistery Tour” de Paul no Recife

Matéria • 27 de abril de 2012 • Felipe Regis

Quando surgiu o boato, em 1968, que os Beatles gravariam Asa Branca não se podia imaginar que um de seus líderes chegaria um dia a pisar em solo pernambucano. Luiz Gonzaga chegou a afirmar, na década de 80: “Tudo não passou de uma grande mentira inventada pelo jornalista Carlos Imperial”. Até alguns dias atrás ninguém acreditaria, longe de qualquer lenda urbana, que no dia 22 de abril de 2012, segunda noite de espetáculo no Recife, diante de um público efervescente, Paul Maccartney saudaria o grande gênio: “Salve a terra de Luiz Gonzaga!”.

Na primeira noite os burburinhos pareciam, em sintonia, relatar a estória do artista. Cada um contava um fato e a ideia de que algo surreal estava para acontecer parecia unânime. Pontualmente, os dois enormes telões de LED instalados no **estádio Arruda iniciaram a contagem regressiva com uma sucessão de fotos marcantes da carreira dos rapazes de Liverpool. Na preparação uma “ola” se instalou pelas arquibancadas. Paul abriu com “Magical Mistery Tour”, música que parecia denunciar a atmosfera que se instalou no Recife por todo fim de semana.

Durante os preparativos os fãs esperavam ter a sorte de encontrar o veículo que levava o artista pelas ruas da metrópole. Detalhe, a cidade recebeu mais de 25 mil visitantes de todo o País, que injetaram R$ 21.255.722,04 na economia do Estado, de acordo com a Secretaria de Turismo.  Aglomeração no hotel em Boa Viagem, pessoas de todo Brasil acampadas na frente do estádio. Noivos que adiantaram o casamento, mas permaneceram com a data do show cravejada nas alianças. Alguém perdeu a carteira com os ingressos da família e teve a sorte de ser presenteado com entradas por um casal de velhinhos desconhecidos na porta do evento. Só faltou um radialista narrar a chegada do avião do gentleman no espaço aéreo nordestino, como aconteceu em 1966 quando os besouros invadiram a América.

O público estava realmente decidido a soltar a garganta em todas as músicas e obedecer o chamado de Paul para entoar NA-NA-NA-NA (Let it Be). Cativado pelos espectadores, o ex-beatle chegou a brincar perguntando se era ele nas inúmeras máscaras espalhadas na multidão. Essa impressão foi publicada numa nota sobre o show no Recife pela assessoria de imprensa do seu site oficial, intitulada Macca Rocks Recife (twice!):As audiências arrebatadoras, composta por fãs de todas as idades, deixaram a certeza de que Paul teve uma noite para recordar em cada apresentação. Elas cantaram junto cada palavra enquanto seguravam bandeiras caseiras, com muitos em lágrimas ao ver Paul. Após três horas de grandes sucessos nenhum deles voltou pra casa decepcionado. De acordo com a tradição brasileira os fãs trouxeram muitas surpresas para o show, incluindo máscaras especiais de Paul Mccartney!“.

Uma curiosidade: no setlist do primeiro dia não consta o nome da canção “Yellow Submarine”, porém, ao falar do amigo Ringo (primeiro Beatles a se apresentar no Recife em 2011), na tentativa de ilustrar uma passagem da música, a empolgação dos pernambucanos fez o britânico ir adiante do começo ao fim. A canção que introduziu a emoção da segunda noite foi “Hello Goodbye”, talvez alertando que assim como o primeiro dia representava o “Hello”, o segundo seria o *“Goodbye”. *Começava a contagem regressiva, quem não viu provavelmente não o verá mais no Recife.

Maccartney, nas duas noites de apresentações, revelou-se gentil e intimista com a plateia, como de costume – os bons modos é sem dúvida algo típico dos britânicos. Mesmo sob o forte calor do Recife fez questão de entrar de terno no palco (tirando após a primeira música) e não beber água, característica que já explicou em entrevistas: “… para mim é estranho. Imagine se o Elvis Presley parasse uma apresentação. Nós somos do tempo em que não se fazia isso. Eu apenas vou lá, canto, me divirto e depois vou me recompor”. Mesmo ensopado de suor manteve o pique nas três horas de show por noite. Chegou a dançar enquanto o povo gritava em coro o seu primeiro nome. O esforço para falar português surpreendeu e atraiu a atenção dos brasileiros. Dedicou uma composição a cada esposa que teve (e ainda mantém lembranças afetivas), as belíssimas Nancy e Linda.

Ao falar de Lennon, o compositor explicou em inglês que a canção “Here Today” foi baseada numa conversa que nunca teve com seu parceiro de composição: “É sobre quando nos conhecemos/ Bem, eu acho que você diria que nós trabalhamos duro no começo/Não entendíamos nada/ Mas nós sempre podíamos cantar/ E sobre a noite em que choramos/Porque não havia razões para manter tudo aquilo/Nunca entendia uma palavra/Mas você estava sempre lá com um sorriso”. Something *(escrita por Harrison e considerada por Sinatra a mais bonita canção romântica já feita) foi escolhida pelo Sir. para homenagear o “amigo George” – sempre intimista ao falar dos ex- parceiros de banda. Da fase que intitula a turnê *“Band on The Run” (nome do terceiro disco da banda Wings, formada em 1973 por Paul e Linda) o* hit* “Jet”** *levantou a multidão. Em nenhum momento a *Big Band deixou a desejar, integrada por Brain Ray (guitarra e baixo), Paul Wix Wickens (teclado), Rusty Anderson (guitarra) e Abe Laboriel Jr (bateria). Destaque para o baterista que em diversos momentos interagiu na performance de Paul. The End foi a última música tocada na capital pernambucana.

Foi interessante escutar Macca (como é chamado pelos britânicos) repetir o sotaque Pernambucano ao se referir ao “Récife. Denominar o povo de “arretado”, então, algo totalmente particular e especial para o povo do Nordeste. Alguns jornalistas não conterrâneos acreditaram que seria “povo bravo” e não “povo legal” o significado. Pode ser que o jovem de 69 anos (como gosta de ser chamado) tenha se sentindo como na adolescência em Liverpool – cidade portuária discriminada em alguns lugares do Reino Unido-, só que em uma “Liverpool tropical”, e, por isso, decidiu levantar a bandeira do Estado de Pernambuco. Ou talvez por que seja realmente um cavalheiro impecável.