Blueswoman - Janis Joplin (Foto: Herb Grenne/ Divulgação)
Janis Joplin (Foto: Herb Grenne/ Divulgação)

Blueswoman

Matéria • 8 de julho de 2010 • Dani Oliveira

Foi nas colheitas de algodão que nasceu o “blues”, ou melhor, “brotou”. A forma que os escravos afro-americanos, principalmente os oriundos do sul do EUA, acharam para expiar o sofrimento foi o canto, e suas letras continham toda sorte de temas: ideais políticos, religião, lamentações, amor, angústias, trabalho, desejos. Um verdadeiro diário sonoro para embalar o lancinante trabalho. Apesar disso o ritmo é bastante envolvente e sexy.

O termo “blues” (ou “fossa”) propriamente dito, só viria a se tornar famoso com o fim da Guerra Civil. A migração dos escravos para Chicago acabou por dar uma nova leitura ao ritmo, mais elétrica. Mais tarde ele influenciaria outros segmentos musicais como jazz, country, rock, entre outros, e o surgimento de bandas como Rolling Stones e Beatles.

Nesse contexto, reservamos às mulheres uma fenda nessa redoma, para mostrar como suas participações neste estilo tão enfadonhamente carimbado pelos grandes mestres do blues foram marcantes… É comum quando se fala nessa vertente sonora a associação imediata aos homens como grandes protagonistas e às mulheres como meras backing vocals ou nem isso. Um absurdo, por que a voz feminina confere um clima muito mais intimista ao estilo, não é a toa que uma gama considerável de canções compostas por homens fossem interpretadas por mulheres.

Nada melhor do que começar pela primeira afro-americana a fazer gravações vocais blues, isso em 1920! Seu nome era Mamie Smith (de Ciccinatti, Ohio, EUA 1883-1946). Ela não só era cantora como também dançarina, pianista e atriz. Músicas como “Crazy blues” (1929) e “It’s Right Here For You”, escritas por Perry Bradford, foram responsáveis pela venda de um milhão de copias em um ano. Ainda viajou com a sua banda “Mamie Smith & Her Jazz Hounds” pela Europa e Estados Unidos, onde fez grande sucesso. Ficou conhecida como “The Queen of the Blues” e serviu de celeiro para muitas artistas. Participou de um filme sonoro, Jail House Blues, em 29. Em 39 no filme Paradise in Harlem, (1939), Mystery in Swing e Sunday Sinners (ambos em 1940), Murder on Lenox Avenue e Stolen Paradise (1941) e Because i love you, em 43.

Bessie Smith (Foto: Divulgação)
Bessie Smith (Foto: Divulgação)

Outra grande cantora da mesma época é “Ma” Rainey (de Columbus, Geórgia 1886-1939) que ficou conhecida como “The Mother of The Blues”e que também atuou como dançarina e atriz. Era casada com Willian “PA” Rainey, e juntos viajavam muito, conhecendo assim, uma dançarina chamada Bessie Smith (foto ao lado) para a qual foi influência. Em 1916 “Ma” separou-se do marido e viajou com a sua banda “Ma Rainey e and her Georgia Jazz Band”. Entre 1923 e 1928 conseguiu gravar 100 músicas para a Paramount Records. Vale destacar “See See Rider” (1925) e “Deep Moaning Blues” (1928). Durante seu auge, teve vários acompanhantes ilustres como Louis Armstrong e Coleman Hawkins.

A próxima cantora não podia deixar de ser a própria Bessie (Chatanooga,Tennessee;1894-1937), conhecida como a “Imperatriz do Blues”. Em 1904 seu irmão, com quem fazia duetos nas ruas, viajou com uma pequena trupe, quando voltou em 1912 arranjou uma audição para Bessie, mas ela foi contratada como dançarina e não como cantora…. A companhia já incluía a “Ma” Rainey. Entre os petardos estão “Downhearted Blues” (1923, de Alberta Hunter), “St. Louis Blues “ (1925), “Empty Bed Blues” (1928). Quando Bessie morreu sua tumba não tinha lápide e ficou assim até sete de agosto de 1970, quando Janis Joplin junto com Juanita Green, que quando criança era empregada doméstica de Smith, providenciaram a lápide.

A texana,Victoria Spivey (1906-1976) tinha 12 anos quando começou a tocar piano em uma sala de cinema, trabalhou em bares e discotecas até se mudar para St. Louis, Missouri, em 1926, onde assinou com a gravadora Okeh Records. Sua primeira musica foi “Black snake blues”. Seu sucesso foi tanto que mudou de gravadoras inúmeras vezes, dentre suas gravações várias participações como: King Oliver, Lonnie Johnson e Red Allen. Como se não bastasse Victoria ainda encontrou outro terreno de atuação, foi chamada pelo diretor King Vidor para cantar “Missy Rose” no filme “Aleluia!”. De 1930 a 1940 ela continuou a trabalhar em filmes e conseguiu conciliar as duas carreiras.

Em 1951 deu uma parada e voltou às suas origens, regendo um coral de uma igreja. Mas em 61 foi convidada por um amigo, Lonnie Johnson, para cantar quatro faixas em seu álbum. Em 62 o historiador de jazz Len Kunstadt lançou um selo de baixo orçamento dedicado ao blues com o nome da cantora. Bob Dylan fez uma gravação com ela para este selo. Victoria,assim como Mamie, foi muito influente como blueswoman para gerações futuras, sobretudo na época de revitalização do blues, em 60. Ela morre em76, devido a uma hemorragia interna.

Alberta Hunter, nascida em Memphis, Chicago (1895-1984) deu início a sua carreira em 1911, cantando em clubes e prostíbulos – assim como a maioria das blueswoman. Era casada, mas nunca consumou a relação sob o pretexto de que não queria fazer “aquilo” na casa da sua mãe, onde morava com o marido. A verdade era que Hunter era lésbica. No entanto, depois se tornou amante do tio, com quem passou longos anos. Ela escreveu muitas canções, entre elas “Down Hearted Blues”, que se tornou famosa na voz de Bessie Smith.

Em 1915, Hunter fez shows no Café do Panamá, Chicago. Ela estava se tornando a estrela do clube, até ser fechado por causa de um assassinato, mas isso não a impediu de se tornar a “queridinha da Terra dos Sonhos”. Em 1921, Alberta mudou para Nova York e gravou “Black Swan”com Fletcher Henderson, pianista que continuou a acompanhá-la em outros shows. Em 1923 era a primeira cantora Africano-americana a cantar por uma faixa branca (gravadora), e se consagrou em Nova York também. Alberta, em 1920, optou por se valer de pseudônimos, pois havia assinado contratos de exclusividade com várias gravadoras concomitantemente. Exemplo disso, na gravadora Biltmore era “Alberta Prime”, na Gennett era “Josephine Beatty” (o nome de sua irmã). Fez shows na Europa em 1927, na Inglaterra alcançou notável sucesso, em Paris e em toda Europa na década de 30 e ainda no Oriente Médio e na Rússia.

Não poderia faltar, é claro, a texana mais famosa do blues (1943-1970). Número 46 na lista da Rolling Stone dos 100 maiores artistas de todos os tempos em 2004 e número 28 na lista de 2008 das maiores cantores de todos os tempos. Estou falando de ninguém menos que Janis Joplin, que por sua vez era amiga de Bessie Smith e Leadbelly (um dos gurus de Kurt Cobain).

Sua primeira música foi gravada com um amigo, em fita,”What Good Can Drinkin Do”, em 1962. Depois, em 64, quando já estava em San Francisco, gravou outras com o guitarrista Jorma Kaukonen. Em 1965 seus amigos perceram que ela estava usando cada vez mais drogas e a levaram de volta para sua cidade natal, onde mudou seu estilo de vida. Em 66 o estilo de Janis cantar atraiu a atençao do grupo “Big Brother and the Holding Company”com o qual fez várias apresentações, inclusive na TV. No último dia de sua turnê com a banda ela se apresentou junto de nomes como Jimi Hendrix e Buddy Guy. O álbum de maior notoriedade nessa época foi o “Cheap Thrills”, principalmente por causa da música “Piece of My Heart”, que alcançou o primeiro lugar na revista “Billboard”, oito semanas após seu lançamento.

Após a divisão da Big Brother Janis formou um novo grupo chamado Kozmic Blues Band, lançando o álbum em 1969 – mas não teve a repercussão do Cheap Thrills. Em 70 formou uma nova banda, a “O Full Tilt Boogie Band”, com a qual participou do All-Star Festival Express e fizeram um clipe da música “Tell mama”, que estreou na MTV em 1980.

Janis morreu de overdose durante as gravações de Pearl aos 27 anos. Suas últimas gravaçoes foram “Mercedes Benz”e uma saudação de aniversário para John Lennon, que só chegou na casa dele após a morte dela. Há ainda uma lista infindável de muitas outras blueswoman de destaque como: Sippie Wallace, Ida Cox, Bonnie Raitt, Etta James… Vale a pena conferir!

Rosa Marya Colin (Foto: R. Ragozzino/ Divulgação)
Rosa Marya Colin (Foto: R. Ragozzino/ Divulgação)

Mudando agora de área geográfica, vamos falar um pouco sobre algumas brasileiras que tinham uma veia “bluseira” e que enveredaram por entre esse ritmo fascinante. Comecemos pela Rosa Marya Colin (1945), que começou cantando jazz e bossa nova aos 18 anos no Rio de Janeiro. Seu primeiro disco foi gravado em 65. Fez shows pelo Brasil inteiro e no México teve bastante sucesso cantando em um hotel. A partir de 80 tornou-se uma cantora de jazz profissional com a banda Tradicional Jazz Band. Seu maior feito foi uma regravação de uma música da banda “Mamas and The Papas” chamada “California Dreamin”.Também atuou como atriz no papel de Tia Nastácia em O Sítio do Pica Pau Amarelo,Ciranda de Pedra,Sinha Moça,e no musical “Hair” adaptado para o Brasil. Entre seus discos estao: “Cores” (97),”Fever” (92), “Rosa in blues” (90), entre outros.

Cida Moreyra começou sua carreira como atriz. Entre as peças que participou estão “A Farsa da Noiva Bombardeada”, de Alcides Nogueira, e “Ópera do Malandro”, adaptação de Chico Buarque de Hollanda. Depois adentrou pela indústria fonográfica, seu primeiro espetáculo solo foi “Summertime”(81) uma homenagem à cantora Janis Joplin. Além disso cantou músicas de Chico buarque e Angela Ro Ro, mas não abandonou a carreira de atriz e ainda em 80 lançou seu segundo disco “Abolerado Blues”(83), “Cida Moreyra”(86) e em 88, o notável “Cida Moreyra interpreta Bertolt Brecht”. E nao parou por aí, ainda lançou Cida Canta Chico” (93) e “Na Trilha do Cinema”(97). Participou de um disco chamado “Mensagem”, composto por poemas musicados de Fernando Pessoa.

Angela Ro Ro (Foto: Divulgação)
Angela Ro Ro (Foto: Divulgação)

Por último, mas nao menos importante, fica a Angela Ro Ro (1949 – Foto ao lado),carioca que foi gravada por vários artistas como: Maria Betania, Barão Vermelho, Marina Lima, Ney Matogrosso. Tem como uma de suas principais influências Ella Fitzgerald e Maísa. Cantava em casas noturnas do Rio até ser contratada pela Polygran. Seu primeiro disco intitulava-se apenas Angela Ro Ro (1979), e continha a famosa música “Amor, meu grande amor” regravada em 96 pelo Barao Vermelho. O disco seguinte “Só nos resta Viver” faz uma regravação de “Bárbara” de Chico Buarque, e também a bem humorada e auto-denunciativa “Meu mal é a birita”. O álbum seguinte foi “Escandalo” (1981) que como o próprio nome diz se tratava de uma confusão entre ela e sua amante Zizi Possi, a faixa título foi composta por Caetano Veloso.

Sua trajetoria foi marcada por muitos escândalos, personalidade forte, comportamento underground, homossexualismo e suas cançoes de blues e jazz. É um dos maiores nomes na Mpb. Em 2000 lançou o disco “Acertei no Milenio” e recebeu o prêmio de compositora do ano pela Associação Paulista de Criticos de Arte (APCA).

Separamos uns vídeos das artistas citadas no texto