Mastectomia, pós-operatório, autoimagem e autoestima em tempos de culto ao corpo
A mastectomia é um dos tratamentos a que a maioria das mulheres com diagnóstico de câncer de mama é submetida, sabe-se que seus resultados poderão comprometê-las física, emocional e socialmente. A mutilação favorece o surgimento de muitas questões na vida das mulheres, especialmente aquelas relacionadas à imagem corporal e autoestima. Como a mulher percebe e lida com essa nova imagem? Isso afeta a sua existência, inquietando os profissionais de saúde que se propõem prestar uma assistência integral.
Ao receber um diagnóstico de câncer de mama, a mulher passa a ter muitas dúvidas e questionamentos, muitos destes devido ao estigma da doença, que leva a muito sofrimento e quebra da rotina para o tratamento adequado. Obviamente os sentimentos e as cobranças afloram: Por que comigo? O que eu fiz de errado? O que será da minha vida? Eu achava que jamais aconteceria comigo…
Como em outras doenças estigmatizantes, o câncer de mama é bastante temido em nosso século, isso porque, na contemporaneidade, vem crescendo impetuosamente devido a inúmeros fatores, entre estes a questão da hereditariedade. Interessante que agora, com o progresso da ciência, cada vez mais nos encontramos em situações conflituosas com relação a nossa tão sonhada qualidade de vida: como a mulher contemporânea poderá administrar os diversos papéis desempenhados sem o corre-corre, os prazos, as cobranças, os anseios? Bem, é visto então que a retórica mens sana in corpore sano do poeta romano Juvenal continua bastante atual.
Observa-se que diante da confirmação do diagnóstico, a mulher passa a temer o medo do câncer propriamente dito, e a mutilação de um órgão que representa a maternidade, a estética e a sexualidade feminina. Na atribuição de significados para as mamas na cultura ocidental, é ressaltada sua importância como atributo físico e psíquico para o organismo feminino. Além de seu papel importante na vivência e na demonstração da feminilidade, as mamas são, também, órgãos que produzem e carregam o leite, são as fontes simbólicas da vida e da maternidade. A alteração da estética e imagem corporal são aspectos a serem considerados na prática profissional, especialmente quando se pensa em uma assistência preocupada, também, com a dimensão psicossocial.
A experiência de ser portadora de um câncer de mama em nossa sociedade pode ser compreendida de acordo com a fragilidade com que decaem as funções no desempenho do papel sexual da mulher e como provedora de cuidados familiares. Tornar público esse “comprometimento” de papéis, pode trazer à tona a impossibilidade de voltar a exercer uma dada profissão, prover a família tornando-se um indivíduo excluído e estereotipado por não poder realizar suas funções sociais ou os arquétipos necessários para manter a condição feminina da mulher. O que socialmente representa para a mulher, um de alto prestígio social em que o modo de parecer feminino, se exprime através da voz, rostos, aparências e posturas numa cultura onde ser feminina corresponde a um ideal cultural.
A amputação de qualquer parte externa ou mesmo interna do corpo é traumática, podendo produzir mudança radical na aparência, e, assim, a autoimagem corporal deve ser ajustada a essa nova situação. Com essa nova realidade, ao observar que as mulheres passam a enfrentar problemas ligados à mutilação de seu corpo, surgem, para nós, inquietações e indagações sobre como assistir a essa clientela de forma integral, especialmente no retorno ao seu lar, ao seu cotidiano, pois como se trata de vários Sujeitos com experiências, subjetividades, sentimentos e culturas diferentes talvez não se tenha como nos dimensionarmos completamente sobre de como esse processo é vivido e interpretado por elas. Assim questionamos-nos: Como a mulher tem apreendido a experiência de ser “mastectomizada”? Quais as transformações que ocorrem? Como lidar com a nova realidade e implicações?
Importante dizer que a experiência de ser “mastectomizada” e as implicações com a autoimagem e autoestima ganham novo contexto com a ultrapassagem da barreira da retirada do órgão e, quando indicada, pela reconstrução do órgão, muda-se então o contexto para a experiência de ter se submetido a mastectomia. Implico assim para o poder da palavra e suas implicações a psiquê do sujeito. A comparação antagônica da mulher que almeja um corpo perfeito e curvilíneo viabilizado pela cirurgia plástica para aplicação de silicone nos seios e daquela submetida à mastectomia e ansiosa pela reconstrução de sua mama destoam.
Após a cirurgia, as mulheres têm como preocupação a continuidade do tratamento e a reabilitação, surgem então questões relativas à reelaboração da autoestima e da imagem corporal, necessidade de suporte social e de autocuidado. O “já-ter-sido-mastectomizada” revela que as mulheres percorrem trajetórias diferentes quando retornam aos seus familiares e à condução de suas vidas.
No decorrer da história e baseados no marco do voto liberado, a mulher começou a instruir-se e realmente a se libertar de certas amarras, ela também se profissionalizou, reagiu e batalhou por seu espaço de indivíduo na sociedade assumindo cada vez mais, posições de respeito e importância, re-despertando o mito da Deusa, que em sua supremacia fala do poder do feminino e da sedução expressos no corpo da mulher.
Quando a mulher se vê novamente podada desse poder, em função da descoberta de um câncer, precisa se reestruturar e são as lágrimas que necessitam ser enxugadas que levam essas mulheres a se reconstruírem e a renascerem. A certeza de outrora dá lugar apenas às dúvidas e indagações e se não tomarem verdadeira consciência de si mesmas e de seus corpos, podem ficar sujeitas às manifestações e arquétipos (padrões de comportamento) ao qual a sociedade impôs e impõe a mulher a cada minuto e sobre os quais podemos nos tornar reféns.