Maria Madalena era santa, prostituta ou esposa exemplar?
Parece um grande mistério. Todos que leram O Código da Vinci, de Dan Brown, provavelmente dormiram com uma pulga atrás da orelha, depois de acreditar, ou não, que Maria Madalena, a famosa ‘prostituta’ das disciplinas de educação religiosa, pode não ser o que o catolicismo pregou durante séculos. Há indícios que ela seria uma líder. Outros dizem que ela teria sido casada com Jesus e teria tido filhos com ele, e há aqueles que ainda estudam a hipótese dela ter escrito um evangelho.
Não é Dan Brown quem fez as suposições. Ele, obviamente, popularizou a ideia. Mas outros historiadores renomados afirmam que a Bíblia não declara que Maria Madalena era prostituta, e que essa representação de promiscuidade imposta a ela está errada. A Igreja, desde o papa Gregório, O Grande, estigmatizou Madalena como uma devassa. Somente no ano de 1969, o Vaticano corrigiu a informação, declarando que Madalena não seria mais considerada como prostituta. O fato bíblico de Jesus ter expulsado dela os “sete demônios” não queria dizer que ela era ‘mulher da vida’. Na época, se acreditava na hipótese de que as doenças estavam relacionadas aos demônios, e que, ao expeli-los, haveria a cura.
Porém, a mais intrigante de todas as versões, é a ciência apontar que Maria Madalena seria uma líder e possivelmente foi a co-fundadora do Cristianismo. Isso está claramente descrito nos chamados pergaminhos de Nag Hammadi¹. Os documentos teriam sido escondidos por um monge em um mosteiro local no século 4, na mesma época em que o bispo de Alexandria mandou destruí-los. Os manuscritos têm nomes como “O Evangelho de Tomás”, “O Evangelho da Verdade”, “O Evangelho de Felipe” e um fragmento de “O Evangelho de Maria Madalena” que não foi encontrado por inteiro. A presença de tantos fragmentos pode ser atribuída, além de outros fatores, aos decretos e recomendações papais solicitando o não uso desses textos pelos cristãos. Os pesquisadores modernos estabeleceram que alguns manuscritos, ou a maioria deles, datam de no máximo 150 d.C. Para constar: o Vaticano os classificou como herege.
No evangelho de Felipe é possível encontrar o seguinte trecho: “A companheira de Cristo é Maria Madalena. O Senhor amava Maria mais do que todos os discípulos e a beijava freqüentemente na boca. Os discípulos viram-no amando Maria e lhe disseram: Por que a amas mais que a todos nós? O Salvador respondeu dizendo: Como é possível que eu não vos ame tanto quanto a ela? (Filipe 63, 34-64,5). E em outra parte diz: “Eram três que acompanhavam o Senhor: sua mãe Maria, a irmã dela, e Madalena, que é chamada de sua companheira. Com efeito, era ‘Maria’ sua irmã, sua mãe e a sua esposa” (Filipe 32).
Dan Brown complementa esta ideia com o seguinte comentário: “Porque Jesus era Judeu (…) e o decoro social daquela época praticamente proibia que um judeu fosse solteiro. De acordo com os costumes judaicos, o celibato era proibido e a obrigação de um pai judeu era encontrar uma esposa adequada para o seu filho. Se Jesus não fosse casado, pelo menos um dos evangelhos da Bíblia teria mencionado isso e dado alguma explicação para o fato de ele ter ficado solteiro”.
A teóloga australiana Barbara Thiering, autora de Jesus, the Man, também afirma que Jesus era casado com Maria Madalena e a festa de noivado teria sido “As Bodas de Caná”. O episódio é narrado apenas por João. Se ali aconteceu o primeiro “milagre” de Jesus, porque os outros evangelistas ignoraram “As Bodas de Caná”? Há a lembrança de que os servos dirigiram-se à Maria, mãe de Jesus, para reclamarem o vinho e não a outra pessoa, o “dono da festa”, o que seria normal. Fora o fato de Maria Madalena estar sempre presente, incluindo trechos importantes da morte e passagem de Jesus. Ela foi a portadora da boa-nova da ressurreição.
Tornou-se popular, com a divulgação do livro de Dan Brown, o argumento de que na tela A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, a personagem que está à sua direita, com traços femininos, seja Maria Madalena e não o apóstolo João, como a Igreja defende. O fato de Jesus não envergar nenhum cálice – o Graal – poderá levar a interpretações que muitos consideram flagrantemente abusivas do ponto de vista histórico e religioso, como acreditar que Maria Madalena é, de fato, o “cálice sagrado” onde repousa o “sangue de Cristo”, ou seja, que ela estaria grávida de Jesus Cristo. Alguns teólogos consideram inaceitável a história narrada no romance de Dan Brown. Argumentam que Leonardo da Vinci se inspirou no Evangelho de João (no texto João 21:20) em que se fala do discípulo amado – que seria o próprio apóstolo João – e não propriamente nas passagens referentes à instituição da Última Ceia.
Sabe-se pelos textos apócrifos que, depois da morte de Jesus, os outros discípulos não desejavam ver uma mulher no comando do grupo – e isso seria fácil de imaginar-, o que naturalmente estava acontecendo pelo enorme conhecimento espiritual de Madalena. Pedro por diversas vezes contestava e discutia com Madalena, pois temia que ela definitivamente se tornasse líder do grupo. A partir dessa luta de poder relativo à liderança do cristianismo e pelo fato de uma mulher possuir mais conhecimentos que todos os discípulos, teria sido forjada a história da prostituta, e todos nós, lamentavelmente, a conhecemos.
Além do título de prostituta, tentaram destruir o Evangelho de Madalena, pois nele continha o importante ensinamento transmitido por Jesus de que o caminho não está em seguir esta ou aquela estrada, quiçá esta ou aquela religião, mas na busca interior, na evolução interior a caminho do Deus que habita em todos nós. Mais que rotular indevidamente Madalena, sucumbiram o verdadeiro Cristianismo, aquele praticado por Jesus, que não criou nenhuma religião, nem pregava ou vivia em Igrejas, mas praticava, verdadeiramente, o mais puro amor, a mais bela espiritualidade e, como Ele mesmo disse nos evangelhos escondidos: “Não estabeleçais outras regras, além das que vos mostrei, e não instituais como legislador, senão sereis cerceados por elas”.
Indicação de Livro
O Código da Vinci
Dan Brown
Sextante
432 páginas, R$ 31,90
Indicação de filme
¹: Nag Hammadi é nome de uma aldeia no Egito que ficou conhecida por ter abrigado treze manuscritos de papiro, descobertos por camponeses num recipiente fechado, em dezembro de 1945. Entre as obras guardadas encontravam-se tratados gnósticos. Gnose, cuja origem etimológica é a palavra grega “gnosis”, significa “conhecimento” e designa uma ciência profunda e superior do mundo e do homem. Os gnósticos são libertadores, é a típica característica do livre pensador. E Jesus, de acordo com os relatos, rompia com as normas impostas e atacava as autoridades, demonstrando, assim, a imagem do Jesus revolucionário, aceito por grande parte dos historiadores contemporâneos.