Da hepatite para a ação no mundo
Que credibilidade você daria a uma moça que cortava seringa, deixando para os 14 anos de idade as primeiras noções de matemática? E que aprendeu a ler no Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e terminou o antigo primeiro grau através de um curso supletivo?
Talvez esses sejam detalhes da história de nossa primeira presidente mulher. Talvez. Mas o fato é que a discussão sobre a transição de Marina Silva do PT para o PV, além de fazer emergir uma discussão oportuna sobre a sustentabilidade – agregando mais iniciativas e pesquisas em vista à corrida presidencial – pode também trazer discussões em torno do tema “mulher”. Afinal de contas, entre as presidenciáveis estão Marina Silva e Dilma Rousseff, além da ex-candidata Heloísa Helena.
Mas não estamos aqui para falar de política, de movimentos feministas ou fazer levantamentos ideológicos. O tom aqui é conhecer a Marina, aquela que está listada entre as 50 pessoas do mundo em condições de salvar o nosso planeta.
A aquariana nasceu em um seringal chamado Breu Velho, a 70 quilômetros de Rio Branco, Acre. Não havia estradas e a longa viagem pelo rio dificultava qualquer tipo de assistência médica. Dos onze filhos de Pedro Augusto e Maria Augusta – pais de Marina Silva, três morreram ainda pequenos. Ela ficou sendo a segunda mais velha dos oito sobreviventes, sete mulheres e um homem.
Aos 14 anos Marina aprendeu a conhecer as horas no relógio e as quatro operações básicas de matemática para não ser enganada pelos patrões na venda da borracha. Aos 15 ficou órfã de mãe e, como a irmã mais velha havia casado, assumiu a chefia da casa e a criação dos irmãos mais novos. Mas aos 16 anos contraiu hepatite e teve que ir para a cidade – para o seu bem, iria saber mais tarde -, em busca de tratamento médico. Resolveu ficar por lá, trabalhando como empregada doméstica, porque queria estudar. Àquela época tinha o sonho de ser freira, pois achava que na vida religiosa poderia formar seu caráter dentro da moralidade, ao mesmo tempo ficava fascinada pela possibilidade de estudar nas escolas da Igreja, que eram as melhores da região.
Começou a frequentar as aulas no Mobral, depois o curso de Educação Integrada, onde aprendeu a ler e escrever. Foi morar com as freiras e fez o supletivo de 1º grau. Novamente no supletivo obteve o diploma de 2º grau. Antes dos 20 anos, já se preparava para fazer o vestibular e entrar na universidade. Nessa altura já havia abandonado o sonho de ser freira, pois frequentava as reuniões das Comunidades Eclesiais de Base e, aproximando-se dos grupos de teatro amador, percebeu que não queria a vida no convento, mas a ação no mundo. E que isso não representava nenhum prejuízo em suas convicções religiosas e morais. Nas lutas dos moradores de seu bairro, descobriu a política não-partidária dos movimentos sociais. Na escola, aproximou-se das lideranças do movimento estudantil.
Uma nova hepatite fez com que perdesse as provas do vestibular. Por isso viajou com ajuda da Igreja para buscar tratamento em São Paulo. Quando voltou, o casamento adiou por mais um ano sua entrada na Universidade. Mas no ano seguinte, já grávida da primeira filha, iniciou o curso de História, e o concluiu em quatro anos.
Na universidade descobriu o marxismo. Entrou para o PRC, um dos vários grupos semi-clandestinos que atuavam na oposição ao regime militar. Começou a dar aulas de História e frequentar as reuniões do movimento sindical dos professores. Casou-se outra vez. Do segundo casamento, com Fabio Vaz de Lima, nasceram mais duas filhas: Moara e Mayara, totalizando quatro filhotes.
A biografia de Marina Silva fez com que ela fosse escolhida pelo jornal britânico The Guardian, em 2007, entre uma das 50 pessoas em condições de ajudar salvar o planeta. Mas sua lista de premiações e reconhecimentos nacionais e internacionais é longa. Entre muitos outros, ela recebeu o prêmio “2007 Champions of the Earth“, o maior prêmio concedido pelas Nações Unidas na área ambiental. No dia 29 de outubro de 2008, a senadora recebeu das mãos do príncipe Philip da Inglaterra, no Palácio de Saint James. Em Londres, a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento à sua trajetória e luta em defesa da Amazônia brasileira – o prêmio mais importante concedido pela Rede WWF. Em junho de 2009, recebeu o prêmio Sophie, por seu trabalho em defesa do maio ambiente, oferecido pela fundação norueguesa Sophie, criada pelo escritor norueguês Jostein Gaarder, autor do best seller “O Mundo de Sofia”.