Saudade do exagerado
Na estante do quarto, não tenho mais livros, apenas os acadêmicos. Foram para a sala depois que agarrei o meu Kindle com todas as minhas forças e vontade de nunca mais soltá-lo. Em duas semanas, não consegui desgrudar. Não senti falta do cheiro do papel e estou em lua-de-mel com meus livros digitais. Mas não vim aqui fazer propaganda. Pelo menos do aparelho. Vim contar que acabo de ler o relato da mãe de Cazuza (Cazuza: Só as Mães São Felizes, Editora Globo – 1997). Na verdade, um depoimento que Lucinha Araújo deu à jornalista Regina Echeverria.
Foram 20 horas de gravação, aposto que muitas lágrimas povoaram aquelas vozes saudosas. O relato, rico em detalhes, deixa a gente com saudades. E morrendo de admiração por ela, tamanha força que teve. Logo ele, que eu conheci suas músicas na minha adolescência vivida nos fins dos anos 90,bem depois de sua partida. Logo ele, que embalou parte da minha própria vida com suas poesias, melodias e verdades escancaradas. Que fez parte das minhas próprias histórias.
Passei a semana toda pensando nele, assim que acabei de ler o livro. De como era um típico ariano. Se era mesmo um gênio ou doido. Mas era sim, mesmo que um pouco “Exagerado”, era ousado, divertido, e, sim, genial. E só depois me dei conta que faz, nesta semana, 7 de julho, 21 anos de sua morte. Eu tinha só cinco anos, mas consegui vivê-lo através de sua poesia, música, letras, livros sobre sua vida. As suas canções terminaram por se misturar na vida de muita gente. “Eu preciso dizer que te amo”, gravada em Petrópolis com Bebel e Dé, “Brasil”, porque até hoje nos indignamos com o nosso país por meio da voz de Gal, e tantas outras canções ora doces, ora críticas.
Lucinha começa contando a sua própria história de amor com João Araújo, pai de Cazuza e dono da Som Livre. Passa rapidamente por todas as fases da vida da criança e adolescente e se demora, em especial, na batalha que teve que sustentar para segurar a onda da doença dentro de casa. E segurar o gênio de Cazuza e o dela própria. Isso, como todo mundo sabe, há mais de 20anos, quando a doença ainda era uma desconhecida.
Não é uma biografia. Ela fala aberta e tranqüilamente sobre o que se passava com ela e com o filho, da torcida da família, das emoções vividas e da suas relações mais íntimas. Da personalidade carismática, ácida e bem-humorada do cantor. O pequeno livro também traz diversos depoimentos das pessoas próximas, dando ao leitor uma noção mais exata do que foi a vida e a doença de Cazuza.
A parte mais repugnante vem através da Veja, que faz uma entrevista de capa com Cazuza bem magro, com o título “Uma vítima da Aids agoniza em praça pública”. Nem preciso detalhar o quanto a Veja é desumana. A repórter se demitiu e a culpa ficou para a edição, em São Paulo. A família que segurou as pontas.
Essa e outras polêmicas foram pontuadas. As relações com o Barão, com a imprensa, com os amigos, as viagens para os Estados Unidos, os momentos com Ney, Bebel, Caetano. A vida com os pais. Muita coisa que o filme “O Tempo Não Para”, propositadamente, não mostrou ou exagerou além dos limites da verdade.
É um grande depoimento de uma super-mulher que cumpriu a promessa de não chorar na frente de seu único filho enquanto estivesse cuidando dele. Para os fãs e curiosos não é um livrão, é um livrinho gostoso de ler. Eu curti saber um pouco mais de alguém que sempre escutei e quem eu considero um enorme poeta. Eu ri, me encantei e chorei junto. Às vezes é bom saber que a vida é mais curta do que a gente pensa e que errar nem sempre ta errado. O importante é viver.