O verbo solto dos marginais
A literatura marginal começou a ser produzida no começo dos anos 70 tendo como ânimo inicial a denúncia, o grito, a liberdade de subverter com modos e linguagens peculiares. Abordando críticas sobre a ditadura militar instalada no País e um modo novo de enxergar a vida, essa opção alternativa de se expressar tinha como fundamento o descompromisso como resposta à ordem do sistema.
Os escritores levavam uma vida desburocratizada e elevavam ídolos como Bob Dylan e Janis Joplin. Eram os “Anos Loucos”. Fazer literatura marginal significava que os poetas não emplacavam nas grandes editoras e seguiam com um certo espírito beatnik do “faça você mesmo”. Uma quantidade significativa de publicações ganharam as ruas nos anos 70, produzidas em gráficas clandestinas em fundos de quintais com o tal mimeógrafo. Nessa época surgiram cerca de 150 periódicos alternativos em formato tabloide, como o Pasquim, Flor do Mal, Pingente, Ovelha Negra, Beijo, Luta & Prazer.
A literatura passava por uma crise estética. A Literatura Marginal veio mostrar um novo conceito: ela era irônica, mal acabada, muitas vezes incompreensível, porém, dotada de inteligência crítica, protestos e denúncias. Ela zombava do que era fixo, imutável, formal. Zombava até da própria literatura e cultura da época. Dentre os “malditos” pernambucanos, como eram estereotipados os poetas marginais, Erickson Luna, Chico Espinhara, França, Valmir Jordão. Nacionalmente, Chacal, Charles Peixoto, Torquato Neto, Ana Cristina César, Heloísa Buarque de Holanda e o brilhante Wally Salomão.
A literatura crítica constitucional da época via essa literatura como ignorante, infanto-juvenil, tecnicamente inferior aos seus antecessores. Paulo Leminski, mesmo tendo flertado com os “malditos”, criticou: “Leram rápido e confusamente alguma coisa de Nietzsche e os almanaques contraculturais de Herbert Marcuse e Wilhelm Reich, salpicando toda essa salada sexual do zen-budismo e, entenda quem puder, seu misticismo coloquial”. Logicamente, o desmoronamento causado por um novo tipo de literatura, com todos os elementos da contracultura, iria sofrer críticas severas. No entanto, ela conseguiu resistir ao tempo e ainda hoje vemos frutíferos respingos brotando em grupos literários, revistas artesanais, folhetins e jornais geralmente impressos em gráficas pequenas e vendidos em reuniões, bares, entradas de universidades.
Esses escritores marginais estão espalhados pelas cidades, nas praças, flanando em bibliotecas públicas, observando as pessoas nas ruas. Estão fora da programação de eventos literários como a Fliporto. Eles estão inventando estórias fantásticas em outro mundo, “caminhando contra o vento sem lenço e sem documento”. É certo que uma loucura pessoal caracteriza a literatura marginal. Hoje podemos até compará-la às revistas independentes onde podemos ser verdadeiros por que livres somos, mas pagamos preço alto. Onde suplantamos o mercado todo poderoso e fazemos com as próprias mãos, de forma mais artesanal e visceral possível.
Esse novo tipo de fazer literário independente não deixa de estar à margem, em guetos, mas consegue mostrar a força da literatura, persistente em um País com necessidades urgentes na saúde e na infraestrutura básica, por exemplo. Nossa elite também não é intelectualizada, então lá no final da lista encontramos a arte. – Ô, como é difícil viver de arte, bradam os marginais lamuriosos. Escritores do desbunde, figuras significativas da história literária brasileira, precisam ser aclamados. Vida longa aos marginais de bom sentido!