O Plano Infinito
Algumas pessoas passam pela vida sem entender – nem tentar entender- o sentido da própria existência, o que os movem, o curso da história pessoal. Sem enxergar as vivências num sentido amplo, como que filmados de cima por si mesmos. Outras passam deixando poucos rastros, se presenteiam com colares da invisibilidade e seguem um presente inexistente, que se dissipa a cada segundo, sem lembranças do passado nem anseios futuros.
Depois de alguns anos tentando decifrar a sua vida com a ajuda de uma psicóloga, Gregory Reeves pontua a lembrança mais forte, mais próxima da felicidade plena, em cima de uma colina, na infância: “O líquido quente escorre como algo essencial de seu corpo e de seu espírito, cada gota, ao fundi-se na terra, marca o território com seu nome. Alonga o prazer, brinca com o esguicho, traçando círculo cor de topázio sobre o pó, percebe a paz intacta da tarde, comove-o, com um sentimento de euforia, a imensidão do mundo porque ele é parte dessa paisagem límpida e cheia de maravilhas”.
Rousseau alertou sobre a importância das perguntas; para tentar entender as relações entre o mundo real e imaginário as crianças as fazem sem temor. Reeves as fez depois de meio século de existência, antes tarde do que nunca meus amigos, antes tarde do que nunca. Por que tanta dor? Por que não encontro um verdadeiro amor? Isabel Allende, em “O Plano Infinito”, responde que tudo está dentro de nós, perguntas e respostas. Não adianta procurá-las do lado de fora.
O livro tem como pano de fundo os anos 60, a guerra no Vietnam, hippies e moralistas construindo o primeiro mundo – Estados Unidos da América. Rico em personagens excêntricos, como a curandeira Olga, com ditos populares e filosofias de vida opostas. Gregory é filho de um messiânico que prega os fundamentos do “Plano Infinito”, entre eles, a crença de que “as coisas estão onde realmente devem estar”. A mãe, adepta da religião Bahái, surgida na antiga Pérsia, impregna o conceito no filho a cerca da eliminação do preconceito. “Somos todos iguais”, dizia Nora, “como as gotas de um único mar”. O mundo, porém, mostrava a Revees que filosofias nem sempre são praticadas.
Isabel proporciona criações imagéticas perfeitas, sintam: “(…) Longe a silueta imprecisa de um caminhão tremelicando como uma forte miragem na reverberação da luz. Esperou que se aproximassem para pedir-lhes carona, mas ao tê-lo mais perto mudou de idéia, assustado com aquela inusitada aparição, uma quinquilharia pintada com cores berrantes, carregada até o teto com uma montanha de tralhas coroadas com uma gaiola repleta de frangos, um cão amarrado a uma corda e sobre o teto um alto-falante e um cartaz onde se lia, em letras garrafais, O Plano Infinito”. Esse caminhão foi por muito tempo a casa da família Reeves.
Como em uma pesquisa detalhada, a autora relata os valores e costumes das famílias americanas convencionais, e a dos latinos que conseguiram cruzar a fronteira – mundos opostos em um mesmo território. Levanta temas sexuais, políticos, morais, existenciais, financeiros, amorosos e místicos. Essencialmente, ela nos diz que vivemos em um plano infinito. Cada dia, pessoa, lugar, objeto que se interpõe em nossas vidas, configuram nossa passagem neste plano. Mais que isso, nós mesmos, intrinsecamente, o somos, e ele se arrasta ou voa, pode durar duas décadas ou cem. Esse plano é a construção de quem somos, e é também a luta pela vida.
Plano Infinito de Isabel Allende
Romance, 348 páginas
(Bertrand Brasil, Ano: 1993 – R$ 55
Você pode ler todo o romance aqui (Espanhol)