II Janela Internacional de Cinema do Recife
Um desenho poético de uma menina com cabelos ao vento, debruçada em uma janela contemplando o tempo, insurge na tela do cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). A imagem de abertura retrata a observação necessária ao cinema, para que possamos aspirar imagens e transpô-las às nossas vivências pessoais, havendo, assim, identificações – o desenho me lembrou “Person at the Window”, de Dalí.
O primeiro longa do evento foi “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, de Marcelo Gomes e Karim Ainouz. O filme é um diário de viagem de um geógrafo que tenta esquecer a ex-mulher no Sertão cearense, passando por Varzinha, Cariri, Quixeramobim, e até Caruaru – percurso um pouco confuso para quem conhece bem o interior dos dois estados. A maior parte das cenas foi feita dentro de um veículo em movimento, com trepidações. A escolha parece ter sido intencional, para refletir a alma atribulada do narrador-personagem (José Renato). Os nasceres e caíres de sol do Sertão aparecem ainda mais belos na telona, quase estáticos, traduzindo uma paz necessária ao coração angustiado de José. Mas deixa o desejo por figuras humanas, o próprio narrador comenta: “Precisava ver gente”. Aí aparecem crianças em bares de ponta de estrada, brincando com garrafas secas de água, e a famosa festa da padroeira de Juazeiro do Norte (CE) – repleta de cores vibrantes e gente simples de muita fé.
A história dos povos está atravessada por narrativas de viagens. Em forma de diários, memórias, impressões, e agora, com a tecnologia, cinegraficamente, o viajante registra experiências que julga ímpar. Muitas aventureiras relataram suas viagens em diários e livros, como a nobre Baronesa De Langsdorf, a burguesa Adalzira Bittencourt, e a naturista Princesa de Baviera. A escritora Nora Araújo faz uma análise interessante sobre relatos de viagens em “Verdad, poder y saber: escritura de viajes femininas”. O personagem abandonado de “Viajo porque preciso, volto porque te amo” deveria saber que quem viaja larga muito na partida, e na estrada. À medida que se abre para o desconhecido, incluindo profissionais do sexo as quais se relaciona na travessia, liberta-se, aos poucos, do passado. É preciso viajar para se livrar das amarras de um grande amor, essa é a tentativa de José Renato.
Os curtas mais aplaudidos no primeiro dia foram: “Minami em Close-up”, que conta a história dos filmes da Boca do Lixo e da revista “Cinema em Close-up”; e “100 em 1”, onde em um minuto se processa a degeneração física causada pelo tempo em um homem. No terceiro dia do evento, foram projetados dois filmes de peso. “Double Take”, do belga Johan Grimonprez, e “Los Abrazos Rotos” (Abraços Partidos), de Almodóvar, líder de bilheteria. De acordo com Kleber Mendonça, curador do evento, foi o filme mais difícil de trazer ao Recife.
Pedro Almodóvar, mais uma vez, encanta a platéia com uma fórmula que ele conhece bem – a excelência. Cores fortes, vibrantes, temática feminina, desejo de vida, e Penélope Cruz como musa, é claro, e um pouco de nudismo. O filme conta a história de um cineasta (Lluiz Homar), que ficou cego durante um trágico acidente de carro; o trauma o fez assumir seu pseudônimo, Harry Caine. Muitos anos depois, a partir das lembranças do cineasta, a história de amor entre ele e Lena (Penélope), separados pelo acidente citado, é desvendada.
Os dois apaixonaram-se durante as gravações do filme ‘Mujeres y Maletas’, o qual Harry dirigia e Lena era atriz. Porém, havia um impedimento, o marido de Lena, Enrique Martel, um grande empresário que bancava o filme, possessivo, ninfomaníaco e pelo menos 30 anos mais velho que ela, usava o seu poder para separar os dois. No dia do aniversário de Harry, a sua produtora Judit faz confissões que muda o rumo da história. Para Harry, finalmente, o fechamento de um ciclo, simbolicamente expresso na escultura giratória que ficava em frente ao local do acidente, e na reedição do filme ‘Mujeres y Maletas’ – uma alusão a “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” -, que havia sido sabotado a mando de Enrique Martel. O filho de Martel havia filmado o acidente, o último beijo de Herry e Lena segundos antes da tragédia, o qual agora Mateo, nome verdadeiro de Henry, se delicia tocando as imagens em um televisor.
O sucesso de bilheteria da 2ª Janela Internacional de Cinema do Recife provou que o público recifense valoriza o cinema independente, não comercial, não hollywoodiano. Segundo Kleber Mendonça, a maioria dos filmes são pessoais, o que dá uma sensação maior acerca da percepção dos sentimentos expressos.
Confira o trailer de Abraços Partidos do Pedro Almodóvar