A morte do Vaqueiro Raimundo Jacó
Gonzaga passou cerca de 10 anos para conseguir gravar essa música, uma dor pode durar muito tempo. Não conseguia cantar nem tocar toda, desmanchava-se em lágrimas como uma lua cheia chuvosa. As lembranças e pêsames pelo primo assassinado por um colega de profissão, também vaqueiro, mexeram com os sentidos mais profundos de Luiz Gonzaga. Por isso, em 1971, ele com o Padre João Câncio, fizeram a primeira Missa do Vaqueiro em homenagem ao forte Raimundo Jacó.
Raimundo Jacó foi um encantador de rebanhos, segundo a crença da região. Cabra bom de laço, caráter, de comunicação com os bichos, com a natureza circunspecta. Por isso, despertava a inveja de alguns – no entanto, um bom vaqueiro carrega a sua honra. Há 41 anos, filhos, netos, bisnetos de vaqueiros, turistas, curiosos, religiosos e brincantes se encontram no terceiro domingo de julho em Serrita, interior de Pernambuco, no Parque João Câncio, cerca de 600Km do Recife, na Fazenda Lajes – a estrada é bem sinalizada.
O intuito inicial da festa foi de louvação e denúncia, pelo crime contra Raimundo Jacó e toda impunidade; pela situação de miséria do sertanejo brabo e esperançoso, “invisíveis” aos comandos da capital, Recife. No tempo do colonialismo, que infelizmente ainda reina em terras nordestinas e no mundo, existia escravidão pelo capital.
Considerada no interior do Estado de Pernambuco como santuário, o deserto da caatinga de Serrita torna-se um celeiro dos amantes de Luiz Gonzaga, do sertão pernambucano, de cearenses, vaqueiros bons de guerra, bacamarteiros, poetas, cantadores… Atrações como Fábio Júnior deixa o público triste dentro do contexto, as raízes e a moda das sanfonas, triângulos, zabumbas, pífanos e violas precisam ser mantidas. Contudo, vibro com o Coral de Aboios de Serrita e Joãozinho do Exu.
A festa religiosa acontece no domingo (24) pela manhã com uma missa católica onde os vaqueiros fazem oferendas e pedem bom tempo, chuva e carne, paz e comunhão com a natureza. Queijo, rapadura, gibão, luvas de couro, entre outros objetos significantes para os vaqueiros, são ofertados com muita emoção por estes titãs, como bem definiu Euclides da Cunha, em Os Sertões: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Hoje o evento conta com uma superestrutura; camping, atendimento médico, segurança, alimentação e bebidas. Serrita é também uma cidade muito limpa, bonita e bem organizada. Na 1ª Missa do Vaqueiro, foto abaixo com Luiz Gonzaga no centro, só havia uma barraca de água de coco, muito interessante, o Ser Tão cheio de graça.
Nas primeiras edições, a festa foi animada pela música de Luiz Gonzaga e Quinteto Violado. O cantor e poeta Capinam esteve presente na celebração inicial. No celular do meu primo Pepa toca desde junho A Morte do Vaqueiro, como um lembrete da festa e de bons momentos vividos na ocasião.
Eu sempre lembro as carreiras no meio do mato, o frito delicioso de Íris nos alforjes. Os vaqueiros tentando derrubar os bois, Alexandre, velhinho já meio doido, irreprimível, cavalgando com uma camisa verde da Onça até as Lajes. Dalminha, uma galega de olhos azuis, cabelos louros esvoaçantes, num Manga Larga ou Quarto de Milha, num burro bom ou ruim. Otacílio, fazendo adornos pro chapéu de Gonzaga, Sinhazinha fazendo Lua rir com a seriema que quebrava lâmpadas… Antônio Augusto e suas histórias de encontros fantásticos com onças e cachorros fiéis. Desde o mês passado ouvimos o toque de Expedito, tristes e felizes entre veredas e futuros encontros: “Ei, gado, oi…Tengo, lengo, tengo, lengo, tengo, lengo,tengo”.