Por Clarice - Clarice Lispector (Foto: Divulgação)
Clarice Lispector (Foto: Divulgação)

Por Clarice

Coluna • 9 de outubro de 2010 • Belisa Parente

Nem lembro quando conheci Clarice, tenho a sensação que ela me veio por intuição em uma escadaria do colegial, com o tal dejavú. Fui devorando-a em pequenos tragos, sentando em degraus para degustar. Me encontro ao bebê-la.

Um dia me embriaguei e surgiu uma vontade louca de entrar na casa rosa da sua infância, na Praça Maciel Pinheiros, hoje uma loja de móveis. Entrei no comércio e fingi interesse em um sofá, uma mesa de madeira mais na frente. Por dentro o mundo rodava, eu estava lá, precisava conseguir pedir para subir. A atendente disse precisar falar com o dono, pegou o telefone e discou. A ânsia tomou conta do meu ser. Pensava no dono, quem seria? Pensava em Clarice, na mesa de madeira, supunha que a escada fosse de madeira também.

Minha consciência ficou tão tagarela como os ponteiros do relógio antigo na parede. O néscio não me deixou subir, ele não me deixou! Lembrei as inúmeras vezes que Monteiro Lobato foi negado à Clarice, caminhei até o banco da praça e sentei. Olhei para a sacada do primeiro andar e imaginei Clarice sorrindo para mim, retribuí complacente.

As palavras de Clarice sorriem plenas, sem extravagâncias, reflexivas e líricas flores de lis. Um verdadeiro êxtase de Deus, um milagre da literatura feminina pelo olhar existencial maduro, sensibilidade e amizade com a inspiração. O amor e o ódio em Clarice se complementam e ganham equilíbrio. A morte, tema recorrente nos seus escritos, é uma figura cálida e bela, o mistério lhe fascinava.

Clarice começou cedo, escrevendo pequenas histórias, crônicas oferecidas aos jornais, revistas, publicou o seu primeiro romance e não parou mais de escrever – necessidade pulsante. Publicou livros infantis e para adultos, com muitas mulheres de nomes estranhos como Macabéa. Típica e genuína escritora feminina, matriarca, talvez a crítica literária acadêmica possa atestar a linguagem peculiar da mulher em Clarice.

Espero um dia, breve, poder subir no primeiro andar do antigo casario rosa… Maravilhoso seria se ele fosse público, como o mar olindense e recifense da escritora. Nos embebedaríamos juntos cada vez mais de Clarice.  Que os poderes me ouçam.