O nosso carnaval no gueto -

O nosso carnaval no gueto

Coluna • 12 de janeiro de 2011 • Belisa Parente

O carnaval bate à nossa porta cedo, é difícil se afastar do Recife e Olinda durante as folias de momo. As irmãs da senhora minha visinha acabaram de chegar para ensaiar, cantam por cima: “Quem tem saudade não está sozinho/Tem o carinho da recordação/Por isso quando estou mais isolado/ Estou bem acompanhado com você no coração”. Sinto a nostalgia – típica recifense- nas vozes e inclinação do rosto, revivem o passado de olhos semicerrados.

Na verdade muita coisa mudou, quando não deveria mudar, outras devem ser impostas para educar. Recife tem o carnaval mais democrático do planeta. Somos riquíssimos culturalmente, vamos de blocos líricos aos que misturam os ritmos regionais com música eletrônica, como fez Chico Science, Codel do Fogo Encantado. Mas a Alaursa quer dinheiro e quem não dá, é…. Pirangueiro! O meu anjinho disse que não devemos tecer comentários ruins sobre as coisas, mas também não devemos aceitar tudo. Infelizmente, as tradições carnavalescas vêm sendo renegadas. Muitos cantam: “Carnaval é putaria”, mas não precisamos compartilhar a ideia.

Getúlio Cavalcanti morreu? Mentira! Preferem trazer Margareth Menezes e Jammil para o Bal Masqué. Daniela Mercury, Maria Gadú e Saia Rodada para embalar o nosso Galo. Ele vai arrepiar literalmente. O Galo da Madrugada gosta do frevo, maracatu, caboclinho, basta olhar para ele. Um dos critérios das políticas culturais para elencar os grupos que se apresentam no carnaval é relevância para a cultura Pernambucana. Em que aspectos Jorge Aragão e Art Popular contribuem para o fortalecimento da identidade pernambucana e sentimento de pertencimento? É vergonhoso convidar Beto Jamaica e Cumpadre Washington para se apresentarem no 33º Baile dos Artistas. Já foi dito: “Os nossos artistas não estão de férias, quem quiser micareta vai para Bahia, não para Pernambuco”. Nada contra os baianos, mas axé music na Terra do Frevo não combina no carnaval. Sejamos francos, “é de fazer chorar” – como diria Luiz Bandeira. Depois de 47 anos, mais uma tradição é abandonada, o nosso Rei Momo gordinho do Baile Municipal foi substituído por um saradinho, reforçando o estereótipo da beleza física. Os Reis das Menininhas são sempre os sarados. Incentivo à obesidade? Não estamos nos EUA…

É… Getúlio Cavalcanti, vamos ter de cantar “Salu Rabequeiro” na 25ª Festa da Lavadeira, que também homenageará o grande mestre do cavalo marinho, Manoel Salustiano. O menestrel do frevo ganhou, com a música, o 1º lugar no Festival de Músicas Carnavalescas 2011, na categoria frevo de bloco, promovido pela Fundação de Cultura do Recife.

A indignação dos pernambucanos diante a falta de consideração às nossas raízes culturais, aos artistas locais, é visível nas redes sociais, nas conversas em filas de banco, entre produtores musicais. Além disso, muitas prévias carnavalescas cobram ingressos abusivos, disponibilizam pequenos lotes para estudantes, divulgam as notícias pela metade, desrespeitam o público. Dizem: “Engulam tudo!”. Precisamos selecionar. Segunda na Noite dos Tambores Silenciosos com certeza, Recife sempre teve isso de gueto mesmo, né? Parece que discutir isso é besteira, mas já resolvi, vou sair de onça em homenagem às tradições locais.