O Flerte do Pássaro Liberto -

O Flerte do Pássaro Liberto

Coluna • 14 de junho de 2011 • Belisa Parente

Um pássaro verde de olhos libertos surgiu no meio da noite fitando os meus. Nunca tinha visto nada parecido, fiquei surpresa, imaginando qual seria o seu nome. Sempre gostei de pássaros, mas foi tudo muito rápido e logo a conversa na mesa andou. Falávamos de como o homem precisa ser forte e mais um monte de besteiras filosóficas vividas, sentidas, quando o Pássaro Liberto, eu havia inventado um nome pare ele já que desconhecia a sua espécie, surgiu novamente. Dessa vez, mais uma pessoa na mesa o viu. Lindo, o seu olhar parecia um imã, não se podia disfarçar, existia uma chama naquele olhar.

Dias depois, enquanto dava bom dia a Chico, que voava alegre entre uma rosa e outra e pousara lentamente no varal, lembrei do passarinho verde. Então abri o livro ‘Canto dos Pássaros’. Fui até a página 265 e nenhum parecido com ele. Em tempos idos os pássaros eram considerados mensageiros, eram vistos simbologicamente como anjos, estavam ligados a Deuses das mais diferentes culturas. Bom é vê-los voando para aonde desejam ir, soltos, compondo sinfonias colorida como as de Gismonti. Mas o Pássaro Liberto não cantou, fiquei curiosa. Agora, imaginava como seria o seu canto, o seu tom.

Passaram-se algumas semanas para que ele aparecesse novamente. Mais uma vez senti o gosto do inesperado – o acaso me mata de felicidade. Havia muitas cores ao nosso redor, a cidade alegre cantava hinos e marchinhas, mas o seu olhar me capturou silencioso e forte – e o resto foi sublimado. Procurei guardar tudo o que os meus olhos viam, consegui fotografar mentalmente o bendito passarinho, para depois procurar no livro. Sei que, no mínimo, ele deve estar em extinção, ou então é delírio, imaginação? O Pássaro Liberto flerta comigo?

Já convivi com vários pássaros, conheci um pouco de cada um deles e busco conhecer mais. Chico, por exemplo, aparece na janela do meu quarto, no quintal, na cozinha. Às vezes ele some, mas sempre volta. Como amigo mensageiro espia e depois cai no ar. Mas o passarinho verde me intrigava. O tempo passava e eu quase perdia a esperança em vê-lo novamente. Lembrava o seu olhar desprendido, despreocupado, mas sempre focado. Não sabia onde o encontrar, como o chamar, desvendar o mistério.

As coisas estão onde realmente devem estar. Tudo tem a sua hora, seu momento de partida e chegada, para que como em um jogo de quebra cabeças as peças se encaixem em perfeito equilíbrio. Descobrimos a verdade das coisas só quando elas realmente nos devem ser mostradas, não devemos ter pressa em conhecer o que ainda não brotou.

Abandonei o livro, resolvi não mais procurar o tal pássaro verde que decididamente flertava comigo. Eis que numa manhã de sábado ele me aparece de subido. Alegre, carregava um brilho de purificação no olhar, como se tivesse acabado de atingir a primavera. O pássaro de olhos libertos fitou os meus e deu um longo vôo, fez a volta no alto, lindo, leve, gracioso. A voz alada voltou direto aos meus ouvidos, sussurrou pequenas juras de amor e voou.