Androinventado - Androinventado (Ilustração: Alexandre Dantas, especial para a Revista Žena)
Androinventado (Ilustração: Alexandre Dantas, especial para a Revista Žena)

Androinventado

Coluna • 6 de maio de 2010 • Belisa Parente

No fundo desacreditava que olhos desconhecidos se encontravam e uma luz interior acendia, assim, subitamente. Que podia existir chama sem combustível. Para mim, o amor deveria ser plantado, conhecido, conquistado. Vinha com o tempo. Como podemos amar o desconhecido? Einstein dizia que a emoção mais bela que podemos experimentar é o sentimento do mistério.

Parecia que eu estava em Berlim. Vi um homem alvo descendo de uma bicicleta com uma elegância peculiar. Ele me olhou rapidamente e subiu as escadas do cinema correndo. Observei seus passos espaçados com um sorriso, nunca tinha visto aqueles olhos altivos antes. Tive vontade de deixar um bilhetinho no bagageiro da sua bicicleta, não é todo dia que alguém me arrebata assim de cara. Mas fiquei sem saber o que dizer. Talvez um simples “você tem luz” em letras desenhadas, àquelas dos convites de casamento, para combinar com a bicicleta branca estilo antigo.

Entramos na mesma sala lotada para assistir uma estreia de Almodóvar, mas não conseguia me concentrar. O ser cheio de luz, quase uma estrela, ainda reverberava dentro de mim. Afinal, de onde surgiu? De que mundo é? Eu não sabia nada. Depois do filme, parou ao meu lado e pediu uma bebida. Ouvi sua voz e conclui, ainda em dúvida, não serve para mim.

Sempre gostei de homens sensíveis, doces, sem pinta de machão quarto de milha, mas o mundo é contraditório. Lembro uma piada machista – a crueldade é inerente ao ser humano, falo por mim e por vocês.  E nesses meus 24 anos, a ironia do número se fez ainda mais presente. Só que desta vez, eu fui atraída e não atraí. Fiquei sabendo que tínhamos um amigo em comum e fui logo abrindo o jogo, com todo despacho: – Foi amor à primeira vista! Para minha decepção, fiquei sabendo que ele tinha namoradO. Foi um banho de água fria, mas não me abalei.  Eu não teria nenhuma chance, nem poderia competir, tudo bem…

Só em vê-lo ficava alegre, o sorriso saltava, os olhos brilhavam – um verdadeiro colírio. Só importa o que nos faz felizes, pensava. Não desejava saber mais nada a seu respeito, sua imagem e a minha imaginação me bastava. Não queria conhecê-lo, saber seu passado, nem trocar qualquer palavra que fosse. Não podia tê-lo, queria, mas não podia tê-lo. Resolvi contemplá-lo com toda calma. Também gostava da personalidade que havia criado para ele, tinha medo de um novo banho de água fria – detesto água fria.

Aos poucos o encanto tornou-se mais sensual, sexual, menos poético, onírico. Aos poucos, vê-lo, apenas, não me satisfazia, o sorriso largo já não vinha. O desejo de provar o seu sabor crescia, mas eu continuava com “o cara é gay” na minha cabeça. Até que um dia, suplantei a sensação maravilhosa do mistério que ele me proporcionava. Queria experimentar esse caminho inusitado, gosto de aventuras e não repetiria um erro do passado.

Nem sempre os começos e os finais das histórias são felizes, mas como em um conto de fadas, tudo pode acontecer… Os garotos estão muito indecisos e às vezes é bom que seja assim; devemos experimentar, colocar em xeque. Também existe uma concepção colonial imperando, homens sensíveis são gays, mas não é sempre assim. A felicidade não quer saber do tempo, de respostas, sem medo ou pudor, sem passado, resolvi expor. O amor agradecido, simplesmente por ter existido e me despertar sem saber.