Sexualidade, feminismo e gênero na Fliporto 2010
Ph. D em língua inglesa pela Universidade de Yale e, atualmente, professora da Philadelphia College of the Performing Arts, Camille Paglia possui um currículo invejável, além de opiniões bastante polêmicas. Ficou conhecida mundialmente com o livroPersonas Sexuais (1992), que tratava de assuntos como a vitalidade da masculinidade e do homossexualismo masculino. Causou rebuliço na sociedade norte-americana da década de 90 quando publicou, no The New York Times, que Madonna seria o “futuro do feminismo”.
Quem foi assistir, então, à Camille Paglia na mesa-redonda mediada por Márcia Tiburi, filósofa, e Gunter Axt, historiador, pôde conhecer uma figura autêntica: lésbica assumida, erudita e abertamente apaixonada pela sexualidade mostrada. Camille conta histórias da juventude, como a do seu pioneirismo nos estudos sobre identidade sexual, sexo e questões de gênero, em uma época marcada pelo puritanismo acadêmico. E revela que, na universidade, não fazia questão de esconder as suas preferências sexuais, numa época em que os jovens viviam “engavetados”, dentro dos “armários” das orientações afetivas.
Uma das grandes preocupações de Camille eram – e ainda são – as questões da formação dos gêneros. Ao contrário da maioria dos estudiosos, a intelectual diz acreditar no poder dos hormônios na definição da orientação sexual, não sendo esta, assim, uma pura construção social. Diz que, na adolescência, ia a bailes à fantasia vestida de Hamlet e Shakespeare, um exemplo do seu já precoce embate às normas de gênero. No entanto, a polêmica chega, como sempre, no assunto “Lady Gaga”.
A nova cantora pop seria a morte do sexo, acredita Paglia. Segundo ela, a sexualidade do corpo humano se perderia na figura andróide da pop star, que cobre todo o corpo com fantasias que, se não escondem, neutralizam toda a sensualidade passível de deleite. Márcia Tiburi questiona, então, se não seria positiva a androginia e a assexualidade presentes, uma vez que seria um exemplo pioneiro da desobrigação do homem se vestir como homem e da mulher se vestir como mulher. Resposta vai, pergunta vem, Camille se mostra irredutível – e até com uma certa razão – nas defesas das suas ideias: Lady Gaga seria repetitiva nas escolhas das suas roupas, inspiradas em ídolos como David Bowie e Cher, não personificaria as personagens a que se propõe a encarnar e possuiria um aparato tão grande na constituição da sua imagem que a música atingiria o segundo plano do fenômeno “Gaga”. “Lady Gaga é péssima para a indústria cultural”, polemiza.
No mais, fala que o feminismo radical dos anos 70 e 80 foi uma das principais causas da atual posição pudica das mulheres norte-americanas. Diz observar a desenvoltura e leveza do corpo das brasileiras, em contraste ao padrão artificial e pesado de beleza das norte-americanas. Coincidentemente ou não, Camille Paglia, terminou, em 2009, um relacionamento de 15 anos com a artista plástica norte-americana Allison Maddez, graças a uma paixão declarada pela cantora baiana Daniela Mercury. Em colaboração à Revista Bravo, Camille escreve o ensaio “O Carnaval Visto de Cima”, em que fala das suas experiências no carnaval de Salvador e mostra extremo interesse pelos sincretismos, ritmos e figuras que marcavam presença na grande festa colorida.
A mesa-redonda da Fliporto, evento que procurou discutir presença e influência judaica na formação do povo ibero-americano, parece não economizar na profusão de assuntos: feminismo, sexualidade, Lady Gaga, Madonna, redes sociais, androginia… Não se pode esquecer de falar o principal motivo pelo qual a intelectual esteve presente na Fliporto 2010: Harold Bloom. Camille Paglia foi orientanda pelo mais popular crítico literário do mundo, judeu praticante e bastante proativo nas questões de sua religião. A partir do contato com o grande intelectual, Paglia – que, apesar de americana, fazia parte de uma família de imigrantes italiano – passou a simpatizar com as peculiaridades do povo judaico: a busca pela preservação das tradições, o não-enfrentamento à opressão do establishment, a erudição e a relação natural com o corpo, características que, se não estavam presentes em sua família, passaram a ser motivos de inspiração.